Herói
J. A. Medeiros da Luz
Licht, mehr Licht! — [atribuído a] J. W. Goethe.
Eis, pois, que capitulo: desativo
O meu sabre de luz depois de muitas
Batalhas pelas causas improváveis.
Atiro ao monturo o meu elmo,
Mambrino invencível das galáxias.
No primeiro cabide dependuro
Aquela minha capa rutilante
Com que, por várias décadas, voei.
Paladino no cérebro e na alma,
Aposentei a máscara de ferro
Que minha identidade protegeu.
Arqueiro poderoso já não sou
E já apaguei as flamas comburentes
Que me envolviam todo o corpanzil.
No volver eu às velhas dimensões
(Três —e não mais — além do tempo, rio
Que carreia centúrias e batalhas),
Abro as cansadas pálpebras e vejo
Apenas o meu vulto, vacilando
Pela trilha dos sonhos em procura
De mais luz, de mais luz, tal como Goethe.
Ouro Preto, 7 de outubro de 2023.
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br; © J. A. M. Luz]
Comentários
Que maravilha de poema,J A!
Parabéns.
Um abraço
Cara Márcia: obrigado por sua visita e palavras.
O monotemático Jota, em que pese a cangalha de outras labutas, "rides again"... Talvez minha especialidade seja terraplenagem de nirvanas; vejo que sempre — acercando-nos que vamos para o fim de mais um ano — acabo tendo que passar um tratoraço por cima dos planos luminosos empilhados nas resoluções de ano-novo. É que as pendências, exógenas (despejadas pelo mundaréu) e endógenas (embora o velho Pasteur nos asseverar que geração espontânea seja só balela!), terminam por atravancar a caminhada. Resultado: a produtividade cai em todas as categorias... E isso, quero crer, explica meus lapsos temporais em nossas tertúlias literárias aqui no ciberespaço.
Abraço. j. a.
Sempre é um grande prazer ler você.
Obrigado, cara Margarida, pelas palavras incentivadoras.
Tanto são os heróis de que nos travestimos em nosso âmago, naquela recuada quadra em que movemos o mundo — se nos fornecessem alavanca! Lembra-nos o protagonismo ilusório daquela rã de Esopo, que tentava — inflando-se com ar, antes de explodir — ser tão corpulenta quanto um touro... Mas, enfim, a idade da razão chega e — para além de cometermos grandes erros de gente grande — paramos o processo inflacionário e tratamos de degustar (sem maiores traumas) as moscas que calhem de voejar dentro da área de influência de nossa língua espichável. E nesse ir assim prosaico, eis que eflui a experiência inigualável do viver.
Abraço do Jota.
Abraços, J.A.
Obrigado pelas visitas e comentários, caros Bridon e Lilian.
Visitas imerecidas, pois tenho, por razões ponderosas, escasseado a vinda a este nosso cantinho virtual e, mesmo, ao próprio fazer literário. Talvez a quantificação das pendências pessoais, por um lado, e, por outro, o enigma do montante de dias ainda a ser disponibilizados pela providência (mas que — de qualquer modo — prognosticam-se como nem tantos mais) nos tenham empurrado para outros afazeres e velhos compromissos, os quais estavam adiados...
O tom desses decassílabos (heroicos, por ironia...), sem maiores enfeites harmônicos, é o do encontro inescapável com a conclusão de que estamos, em realidade, longinquamente distanciados de nossa autoimagem juvenil, estação na qual os planos de conquista abundam como os bandos de borboletas nas orlas dos regatos vegetadas com as cores da primavera. Tudo, então, são sonhos e somos mesmo invencíveis. A madureza, se nos dá a serenidade de perspectivas, acaba nos embotando aquelas autoilusões. Nada de novo sob o sol!
Diga-se, afinal, que é preferível que detectemos as cores um pouco mais nitidamente, do que quando o excesso de iluminação obnubilava as nuanças e meios-tons, tal como experimentamos, se metermos os olhos na ocular de velho microscópio ótico. E o meu pespegar, ao fim do poema, as derradeiras palavras do velho Goethe (a crermos na afirmativa, de oitiva, de seu médico pessoal) não é, de modo algum, um quase "entregar de pontos"... É, antes, demandar de nós mesmos um pouquinho mais de luz, de modo a que todos os gatos não venham a se parecer pardos, como lá diz o ditado. É ajustar a contraluz do microscópio, para podermos ver as organelas dos infusórios que pululam naquela amostra de água de poça, a nos mostrar que as maravilhas do mundo, mesmos confinadas numa gotita, são mais espantosas que qualquer superpoder que nossos heróis demonstravam, naqueles gibis da meninice.
Abraço do J. A.
Leitura impagável se faz aqui. Ótima noite
Um belo e sensível poema.
Parabéns
Abraços
JC Bridon