Maldição

Maldição (José Carlos de Bom Sucesso)

 

             Antônio, mais conhecido por “Tonico”, estava em situação muito constrangedora, que nem mesmo tinha condições de decidir o que faria. Com bom emprego e ganhando razoavelmente bem, pensava em curtir plenamente a vida nas noitadas, nas festas, nos bares e também em viagens pelo território brasileiro.

            Naquela tarde, ao sair de casa, seu telefone celular toca. Rapidamente Antônio o retira do bolso. Olha para o visor e leu o nome de “Elvira”. O coração gelou todo. Arrepios pelo corpo eram sentidos naquela pele morena, com braços cabeludos, cabelos grandes, barba feita em estilo cavanhaque. Mordendo parte dos lábios, ele não teve coragem de prosseguir a caminhada. As pernas pareciam estar cravadas no chão como se estivessem grudadas pelo forte e sintético cimento. Parou por alguns segundos. Viu o banco de madeira logo à frente, pois já havia dado várias passadas do portão da casa até à praça onde a visão alcançava. Sentou-se rapidamente naquele mocho, onde algumas gotas de água estavam espalhadas ali, vindo molhar parte da roupa. Demorou por alguns instantes a levar o dedo na tecla de atendimento. Pensou ali várias vezes se atendia ou não atendia aquele ensurdecedor barulho de música sertaneja universitária. Decidiu atender, pois seria o último anúncio, porque o telefone desligaria a poucos segundos e novamente poderia tocar. Com a voz trêmula, ele assim disse:

            - Alô! Alô!

            Do outro lado, com a voz bem alterada, já se passando por voz de briga, deixando o léxico de lado, Elvira revelava palavras tão severas e às vezes em baixo teor, distorcendo-se de todas as regras da Língua Portuguesa.

            - Calma, minha linda! Calma, meu tesouro!

            - Você está muito agitada, você está nervosa...

            Mal falava as expressões acima, a voz da moça estava mais alterada e mais palavrões eram ouvidos naquele minúsculo aparelho eletrônico, que foi preciso que ele tirasse do ouvido, pois o eco vinha até o calcanhar. A moça estava muito brava, porque se houvesse ficção científica, ela entraria no aparelho telefônico e sairia do outro lado da linha, bem próxima do ouvido do namorado, ou seja, lá outra coisa não classificada.

            O tempo foi passando. A cachopa ia falando, ia gritando até cansar a voz. O jovem, por sua vez, somente concordava com aquilo que era ouvido, balançando a cabeça várias vezes como se fosse o boneco de circo ou de enfeite.

            Criou-se forças e se levantou do banco. Com o dispositivo fora do ouvido e o conduzindo pela mão direita, iniciava-se a caminhada pela praça. O som da voz da rapariga era ouvido e ela não parava de falar nem mesmo para respirar. O tempo foi passando e Tonico caminhava rumo ao velório da cidade. Lá, como de costume, visitava algum finado que era velado e sua visita era importante para os familiares deles. Tonico não faltava nenhuma vez, pois almejava ser candidato ao cargo de vereador nas eleições futuras e a grande oportunidade de receber votos era as visitas aos finados.

            Já se aproximando do velório, pois lá havia pessoa importante, o petiz foi interrompendo a conversa da moça e disse:

            - Eu somente casarei com você se acontecer algo diferente aqui, neste local.

            - Estou perto do velório e vou visitar algum finado que lá está.

            - Conforme meu juramento e minha promessa, subirei ao altar para casar consigo, minha querida Elvira, se algo acontecer dentro daquele velório. Se pessoas saírem correndo de lá de dentro...

            - Então, cumpro a promessa, ouviu?

            Por algum instante a donzela parou de falar. Deve, com certeza, ter pensado algo negativo naquelas frases do namorado ou noivo, seja lá o que for. Pensou ela, por sua vez, que seria mais uma das mentiras ditas pelo futuro esposo.

            Tonico assim disse, novamente:

            - Ouviu bem?

            - Somente se as pessoas saírem correndo deste velório agora...

            Mal expressou as frases acima, de dentro do cemitério, saiu correndo um cachorro grande, na cor marrom, que carregava o enorme osso, parecido com algum fêmur de certo defunto e correndo para dentro do cômodo onde estava sendo velado o defunto importante da cidade. Logo atrás, desesperadamente, correndo e gritando, sai o coveiro dizendo:

            - Por favor! Por favor!

            - Pegue este cachorro, não o deixe escapar, porque eu estava organizando o gavetão do mausoléu para enterrar o finado e o danado deste cão pegou o osso do finado Sr. Joaquim, que Deus o tenha em bom lugar, apesar de ter sido ruim para as pessoas, de maltratar os animais, de dar tiro nos jacus, nas seriemas, de atear fogo nos pastos dos vizinhos, de cortar a calda de cães e gatos...

            - Deixe isto para lá!

            - Pegue, por favor, o maldito cachorro...

            Assim que o cão adentrou no recinto e as pessoas escutavam o coveiro gritar e falar o finado Joaquim, foi aquela correria. Pessoas saiam correndo por todos os cantos. A viúva desmaiou, também alguns dos filhos que ali velavam o defunto.

            O cão encostava o osso nas pernas das pessoas e muitas gritavam. O lugar se transformou em praça de batalha. Era o coveiro gritando para pegar o cão, eram pessoas correndo e gritando de nojo...

            Saíram todos. Restaram somente alguns familiares, o padre e Tonico, que transmitia ao vivo aquela situação para a futura esposa.

            O cão conseguiu escapar no meio da multidão. Foi ele na direção do pasto logo à frente. O João, o coveiro, não aguentou acompanhá-lo e perdeu o osso do Sr. Joaquim.

            Dois meses depois, Tonico era eleito vereador da cidade e no próximo sábado, após a eleição, subia ao altar com a Elvira. Viveram felizes para sempre, até que a morte, em algum dia, os separaria novamente.

 

 

 

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José Carlos de Bom Sucesso

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