Meu coração, ao ver-te, descansa,
mas também se cansa ao ver-te demais.
Minha alma inteira, ao ver-te, se apluma,
mas cai como pluma ao ver-te demais.
Quando estou contigo, ao ouvir-te desperto,
ao sentir-te mais perto, já sonho demais
e meu peito inteiro se desbotoa,
e depois fica à toa, gemendo seus ais.
Ao ver-te na rua, não te sinto gente,
meu peito te sente uma coisa a mais:
um deus verdadeiro, que cura a tristeza,
que esparge beleza nos campos da paz.
Mas, meu coração, ao ver-te tão gente,
de novo se sente perdido de espanto.
Aceita choroso que és pó, que és terra
e de novo se encerra, chorando seu pranto.
Assim ele hiberna em fossa caído,
o corpo dormido só pensa em morrer.
Nada lhe importa, nem morte nem vida,
sua alma sofrida recusa o viver.
Porém, de repente, cansado, carente,
um grito estridente da boca lhe escapa;
e ele se empina, se empluma e se inflama,
e depois, como chama, da fossa se safa.
Passam uns dias, e ainda dorido,
porém, colorido, ao ver-te se solta.
De novo se enche, e de plumas se enfronha,
e todo sem-vergonha a querer-te ele volta.
Dado Carvalho
Sorocaba, 20 de julho de 1976
O Dadão tinha exatos 30 anos de idade.
Comentários
Belíssimo teu texto
Meus parabéns poeta
Tão lindo que me inspirei e fiz um entrelace.
Parabéns, Dado.
Um abraço