O Curador das duas Cadeiras de Balanço
Vejo ali no cantinho da imensa sala retangular, as duas cadeiras de balanço em silêncio, quietas, inertes, sei não, objetos de matéria inanimada pensam, conversam entre si, pressinto sempre aqui deste sofá, que as duas juntinhas tramam segredos entre si. As janelas de madeira trançada abertas, as cortinas esvoaçam a frieza da brisa fria, o piso de tábua corrida, eu nesta nostálgica nostalgia gostosa, converso bastante com tudo ao redor, os quadros na parede, as plantas tinhorão, o bar muito gracioso, o piano de cauda longa, as duas portas, a que entra no corredor e a que sai na varanda, da varanda ao portãozinho social, e dali à rua, mas rua não, faz frio lá fora, entra pela janela, mas aqui dentro é acolhedor, tão acolhedor que faz calor, no coração, na alma em calma, paciente com o tempo, que nunca cessou. Nunca pensei que fosse dono das cadeiras, elas que viajaram de navio desde a Ilha da Madeira, de Portugal, na bagunça das cargas dos navios, aqui chegaram intactas, e intactas estão como novas.
Sou Antonio, o Curador das Duas Cadeiras de Balanço.
O seu Salvador Genésio, nome estranho, aqui estivera tantas quantas vezes e maravilhava-se pelas cadeiras, as duas, mesmo iguais. As cadeiras são iguais em imagem e semelhança, raríssimos e imperceptíveis desgastes de tempo útil. As cadeiras são idosas.
Este amigo Salvador, caçador de relíquias, homem de negócios, laborava em negócios de compra e venda de antiguidades, amor pelos objetos raros não tinha, queria comprar por muito menos e vender por muito mais e saciava colecionadores vorazes e compradores de ocasião.
Os compradores de ocasião, em destaque aqui, compram artes como bibelôs, enfeites para decoração de suas casas, e julgam o antigo charmoso e belo.
A história mais simples de quaisquer dos objetos adquiridos dos tempos de outrora, medievais ou coloniais ou atemporais e de nada se interessavam pela vida pregressa destas relíquias. Admirava-as de forma animalesca, cujo baixo valor monetário pago é cantado aos ventos como uma façanha.
Meu amigo Salvador não foi o único a me oferecer valores fora da realidade, convidava seus pares de negócios de Antiquários, para visitas a minha casa, pois sim, visitar as duas cadeiras, e valores altíssimos ofertavam, nem me dava conta.
Sou o Curador das Duas Cadeiras de Balanço.
Eu jocosamente dizia: - Faz uma oferta irrecusável a minha família, minha mulher e seus 3 irmãos, meus dois filhos, minha nora e meu genro e meus quatro netos. Logo, logo meu amigão Salvador e seus amigos murchavam, e por um bom tempo sumiam.
A barra de querer comprar as cadeiras era pesada...
Jamais esta minha grande família concordaria com qualquer fala, discurso ou descrições acerca das duas cadeiras de balanço.
Retorno a visão as cadeiras e lá estão sentados na sesta vespertina, meu sogro na da esquerda e minha sogra na da direita no meu olhar reverenciando as cadeiras. Do ponto de referência deles, minha sogra está à esquerda de meu sogro.
Relíquias são Seu João aos 95 anos e Dona Maria aos 93 anos, pessoas ímpares, de idades ímpares, ali de mãos dadas guardando segredos secretos nas sestas da maturidade espiritual, um espelho do outro.
Meus olhos ali na felicidade das lembranças, lacrimejam, este sogro João e sogra Maria, que a mim julgam o filho natural, eu filho das entranhas das duas cadeiras casal.
Meus Pais, não sei, não os vi, nem de adoção, nem de orfanatos, nas ruas cresci, nas calçadas dormi, sapatos engraxei, alimentos peguei, não pequei, errei, virei adolescente, trabalhei aqui e ali, adulto cheguei, sorte, fatalidades vivi, Marilene menina moça namorei, casei e os meus sogros João e Maria casou-me, afirmou-me, fiquei homem, tive filhos
(Pausa...)
Minha mulher é Marilene, tenho filhos, netos, parentes cunhados e outros decerto, temos uns aos outros, até Seu João e Dona Maria, que estão aos céus. Um luxo, relíquias são estes sogros. João deu uma volta e disse já volto logo, em 10 de Janeiro de 2000 e em 11 de janeiro de 2000, Dona Maria replicou, já estou indo, já logo volto.
Sou Antonio, o curador das duas cadeiras de balanço, eternamente.
Fim
Obra de Ficção
Antonio Domingos
Comentários
Nossa, poeta Antonio, que obra marvilhosa, gostei muito de ler este escrito, que nos faz balançar nesta cadeira ao ler/ouvir cada estrofe a se tornar vida real/irreal, mas não deixa de ser decerto valoroso cada ponto. Meus aplausos, deixo aqui meu apreço e carinho, paz e luz!
Grato pela deferência ao texto que escrevi.. Quando leio o texto nem acredito que eu tenha escrito. O texto me emociona....Minha inspiração vem de meus avós maternos e paternos que são portugueses da Ilha da Madeira e de lá trouxeram móveis que eram relíquias.
Todos viveram muitos anos, já até tive bisavó de 105 anos.Engraçado... Eles nunca tiveram cadeiras de balanço...
Obrigado por ler e comentar estimada Glaucia.
Textos longos, crônicas, contos e outros costumo não publicar por problemas de quorum na leitura. Passam em branco sem nenhuma leitura. Se apenas um colega ler algo que publico já valeu a pena...Você entende é claro....
Realmente encantada com teu texto!
Parabéns Antônio!
DESTACADO!
Aproveito para agradecer mais uma vez a Angélica pela a atenção generosa para com este poeta amador.
Obrigado por ler e comentar.cara Angélica. Este é um dos textos que mais gosto