O defunto que escapou do cimeitério

O defunto que escapou do cemitério (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras) @josecarloscontador

 

                Dom Bambam, cidadão assim conhecido e de nome Antônio Calazans Melo Viana (o nome é fictício e qualquer semelhança é mera coincidência) era o prestigiado da cidade. Filho único. Jamais trabalhou e administrava os bens e a herança herdada dos pais. Bacharel em Ciências Econômicas e também em Administração, passava o tempo todo entre os estudos e as baladas noturnas. Solteiro, fumante de três maços de cigarros por dia, bebedor de cerveja nos finais de semana e a principal atividade: agiotagem.

                Para ele, a função de onzeneiro era a maior alegria. Emprestava dinheiro à taxa alta, trocava cheques para empresários e pessoas físicas em geral, cobrando sempre a maior taxa de juros do mercado, comprava veículos e casas em pagamentos de dívidas, fazendas e outros bens. Com tantos imóveis recebidos, cobrava aluguéis altos e mantinha sempre a conta bancária recheada em diversas aplicações, pois era conhecedor e investidor em moeda estrangeira, bolsa de valores, ações, renda fixa e até prestava serviço de consultoria econômica para alguns gerentes dos bancos onde mantinha investimentos.

                Era meio rude para com o tratamento cotidiano. Falava pouco, dificilmente sorria, a não ser com ótimos ganhos de capitais, recebimentos de bens em pagamentos de empréstimos e outras vantagens a seu favor.

                A qualquer momento, tinha ele disponibilidade financeira para emprestar dinheiro e até mesmo comprar bens, quando o vendedor estivesse com dificuldades financeiras, ele oferecia o valor bem abaixo do preço de mercado e o vendia com grande lucro.

                Assim era sua vida. Pouco era sua convivência com a sociedade. Saia em períodos de festas, mas retornava cedo para a residência. Esta, por sua vez, uma verdadeira mansão. Casa com dois pavimentos, quatro quartos com suíte e sauna, garagens espaçosas com a coleção de carros importados e também carros antigos, piscina, área de lazer e até a churrasqueira, que ele mesmo fazia o churrasco somente para ele. Era solitário. Mantinha dois funcionários, sendo uma senhora para os afazeres domésticos e o esposo dela para cuidar do jardim, da piscina e das outras áreas da casa. Excelente pagador. Não devia um só centavo para ninguém. Sempre compra e pagava adiantado.

                Não tinha companhia de ninguém. Não tinha namorada, nem filhos e nem esposa. Era anacoreta. O tempo todo passava entre os computadores, o telefone celular e a leitura dos livros da grande biblioteca particular. Ia ao banco na parte da manhã. Atendia os clientes no escritório ao lado do jardim. Assim era a vida dele.

                Os anos foram passando e a fortuna sempre aumentando. O patrimônio constava de muitos imóveis, carros importados e carros antigos, ações, aplicações financeiras e muito mais.

                Certo dia, pela manhã, ele não saiu para a pequena caminhada no jardim, como fazia todos os dias. Os funcionários ficaram preocupados e foram até o quarto dele. Lá, ele não estava, nem mesmo tinham pistas de que ele dormiu no aposento. Foram até a biblioteca e lá o encontraram sem vida. O médico foi chamado, mas teve morte natural.

                No velório, poucas foram as pessoas que ali compareceram. O casal ficou ali para prestar as condolências aos que ali chegavam. O sepultamento contou somente com o casal e mais quatro pessoas, que ajudaram a carregar o caixão do defunto.

                Um mês se passou e o casal permaneceu na mansão. Sem receber nada pelo trabalho, procurou o juiz de direito da cidade e explicou a situação e lá entregou as chaves da casa e pediu que o oficial de justiça fizesse o inventário dos bens existentes no imóvel. Da lista, os dois funcionários ficaram com a cópia e foram para a cidade de origem.

                O patrimônio do endinheirado ficou parado, ali, na mão do representante da justiça. Para os devedores, foi alívio, mas para o Antônio, dono do bar da esquiça, um sujeito muito honesto, procurou o juiz para pagar o devia ao finado. O juiz não pôde receber, pois não tinha o documento onde constava a dívida. Então, o comerciante deixou sobre a mesa do julgador.

                A situação estava complicada. Nenhum herdeiro apareceu para reivindicar a fortuna do defunto.

                O tempo foi passando. A mansão estava abandonada e com ela os bens perdiam naquele ambiente. Com medo de furtos, o prefeito instalou, à frente da mansão, a cabine para que a polícia militar ficasse ali e vigiasse o local.

                Quando foi sugerido que os bens ficariam com o Estado, de Londres chegou às mãos do juiz a carta de Marta, que afirmava que era filha do falecido. Foi alvoroço total.

                Em quinze dias, desembarcava na cidade a referida mulher, a verdadeira filha do bilionário esquecido no cemitério.

                A situação estava deteriorando cada vez mais. Foi motivo de notícias pela cidade e também pela mídia. Na realidade, ninguém sabia que o Bambam tinha filha. Era ele muito recluso, não comentava para ninguém e até o juiz conversou com o delegado que a mulher seria farsa, seria alguma impostora. O esclarecimento surgiu por toda cidade. O Juiz já havia autorizado o mandado de prisão para Marta, mas foi comunicado que a Dona Maria, senhora de mais de cem anos de vida naquela cidade, que dizia que Bambam teve uma filha com a ex-colega de faculdade. Segundo a anciã, o caso foi abafado pelos pais dele. Recebeu a mulher fortuna para não comentar o fato. Ganhou casa na capital e muito dinheiro.

                Mais complicado ainda ficou para a justiça, que agora precisava ter a certeza da filiação da mulher. Então, foi solicitado o exame de DNA para a comprovação da filiação.

                Marcaram o dia. O coveiro foi intimado a abrir o túmulo e o médico legista também foi convocado a realizar o teste.

                No dia e hora marcados, estavam todos no cemitério. Quando abriram o túmulo, a surpresa foi tanta. Dentro do caixão, já deteriorado pelo tempo, não havia nada. Nem os restos mortais do defunto, nem sequer osso, cabelo, roupa. O defunto fugiu. Não se sabe para onde foi. O túmulo não foi violado, conforme perícia do engenheiro da prefeitura. Não tinha nenhum resto mortal de Bambam.

                Entrou prefeito, saiu prefeito e até hoje a mansão está ali, já caindo em pedaços porque não encontrou nenhum herdeiro para receber a herança de Bambam.

                  

               

 

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José Carlos de Bom Sucesso

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Comentários

  • Muito bom,aplaudo,José Carlos

    Abraço

  • Eu aqui curiosa esperando para ver quem herdaria a fortuna....

    Parabéns pela criatividade de um conto como este.

    DESTACADO 

    Um abraço 

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