Pontes de Amor

Pontes de Amor

 

Luciano Pontes, temendo que a morte o apanhe de surpresa, decide fazer jus ao apelido e ser o arquitecto das pontes que as vicissitudes da vida nunca lhe permitiram construir.

Começa por falar da sua ideia a Eduarda, a esposa, a qual logo o apoia sem qualquer margem para dúvidas, prontificando-se para ser, ela mesma, a mensageira da vontade do marido.

Os filhos, respondendo ao desejo do pai, foram chegando um a um, até verificarem que o pai os tinha chamado a todos:

- Jorge, achas que o pai também mandou chamar o outro?

- Espero bem que não, pois se assim for, não ficarei por aqui muito tempo.

- Vá lá Jorge, não vês que o velhote está quase a bater a bota.

- É verdade Jorge, o Paulo tem toda a razão.

- Carlos, também achas que o velho já não dura muito?

- Claro que sim. A mãe disse-me que ele já nem se consegue sentar na cama. Aliás, foi só por isso que aceitei vir cá. Não sabia que ele nos tinha chamado aos três.

- Se calhar é para se despedir de nós.

- Jorge, tu como mais velho dos filhos, vais ficar como cabeça de herança, o que pensas fazer em relação ao outro?

- Oh Carlos, o que é que achas que vou fazer? Nada, como é lógico, ele não tem direito nem a um cêntimo do dinheiro do velho, portanto, não vou fazer nada.

- E se o velho decidir incluí-lo na herança?

- Isso depois logo se resolve.

Os três irmãos decidiram ser hora de entrar em casa e irem ver o pai. Ainda não tinham chegado ao quarto onde Luciano Pontes estava e já Lourenço, o outro, se fazia anunciado:

- Meus filhos, mandei-vos chamar aqui aos quatro porque…

- Pai, vai-me desculpar, mas, que eu saiba, o pai só tem três filhos e não quatro.

- Jorge, o Lourenço pode não ser meu filho de sangue, mas é tanto meu filho como tu ou qualquer um dos teus irmãos. Posto isto, quero dizer-vos que vos mandei chamar para vos dar conta daquilo que pretendo fazer quanto aos bens que eu e vossa mãe fomos conseguindo angariar e que constituem a herança que vos iremos deixar.

Luciano Pontes, acomodando-se melhor na cama, vai expondo as suas ideias, sem nunca deixar de tentar perceber o efeito que as suas palavras vão provocando nos filhos:

- Pai, vai-me desculpar, mas não acho justo. Ele não nos é nada, por isso não pode ter direito a uma parte igual à minha e de meus irmãos.

- Carlos! Proíbo-te de voltares a ser tão mal-educado para com o teu irmão.

- Pai, eu também não acho justo. Vocês acolheram-me no seio da família, deram-me o mesmo amor que deram aos vossos filhos legítimos, sem nunca fazerem qualquer discriminação entre mim e aqueles que eu considero como meus verdadeiros irmãos, pelo que acho que não posso, nem devo, desejar mais nada de vós, a não ser pedir-vos que me deixem continuar a amar-vos como sempre o tenho feito.

- Muito bem meu filho.  Jorge, Paulo, que tendes a dizer? Estais com o Carlos ou comigo, nesta minha vontade.

Nenhum dos dois consegue esconder a sua animosidade para com o irmão Lourenço, chegando mesmo a ameaçar o pai com a possibilidade de após a sua morte, recorrerem à justiça para deserdarem o filho adoptivo de seus próprios pais.

Luciano Pontes, surpreendendo os filhos, levanta-se da cama, mostrando-lhes que, ao contrário do que poderiam pensar, ainda não assinou contrato com a morte:

- Muito bem, meus filhos, vejo que fiz muito bem em vos testar a tempo de me poder precaver para que a minha vontade e de vossa mãe, não possa vir a ser pisada sob os vossos pés, acredito, mal um de nós feche os olhos.

Os filhos, não conseguindo esconder a surpresa, também não escondem o seu medo por tudo quanto seu pai possa fazer, pois, conhecendo-o como conhecem, sabem que não lhes irá dar a mínima possibilidade de cumprirem as ameaças ali proferidas.

Dias depois, Lourenço tenta convencer o pai a dividir os bens pelos seus três filhos legítimos:

- Lourenço, não me ofendas, nem à tua mãe, tu és tão nosso filho como qualquer um deles, somente com uma pequena diferença, nas tuas veias corre o sangue da tua mãe, enquanto nas deles corre o meu, ou seja, tu tens um coração de mel, ao passo que o deles é mais de chumbo.

Eduarda sorri-lhe, como que a agradecer-lhe tais palavras, pois a verdade é que, ao contrário do que muitos pensam, Lourenço é mesmo seu filho biológico, fruto de uma aventura que ela tivera antes de aceitar o pedido de casamento que Luciano já lhe endereçara tantas e tantas vezes.

Carlos, Jorge e Paulo, nunca viriam a descobrir que a história que os pais lhe contavam sobre a adopção de Lourenço, mais não era que a história da vida da sua própria mãe, pois nem na hora da sua morte, Lourenço quebrou a promessa de nunca lhes revelar a verdade.

 

Francis D’Homem Martinho

27/02/2020

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