1- Obrigado pelo fogo.
O pequeno apartamento no subúrbio londrino cheirava a mofo, Clotilde o tinha comprado em meados dos anos sesenta e agora viúva á mais de vinte anos já não tinha o mesmo cuidado de outrora.
Aos oitenta e três anos não se pode esperar muito mais da vida. Como de costume toda sexta feira esperava suas duas únicas amigas, Stefani e Sara, também viúvas e octagenarias .
Cinco horas era a hora sagrada, e á muitos anos tinham esses encontros, era quasse protocolar, as três sentavam no sofá ao redor de uma mesa onde bebiam chá e conversavam de tudo um pouco.
Clotilde e Sara tinham um velho hábito, elas gostavam de fumar nesses encontros, e isso incomodava bastante a dona Stefani, que reclamava da fumaça e do cheiro, mais de nada adiantava.
O mais incrível era que apesar de não fumar era ela quem levava o isqueiro, pois nenhuma das duas levava fogo, como de costume ela ascendia os dois cigarros como uma espécie de cortesia, e em seguida as duas agradeciam de forma quasse automática, obrigado pelo fogo.
2- O tempo e hostil.
Havia algo estranho neste encontro, como uma sensação de desconforto, uma tensão sem explicação, era como se todas as histórias e lembranças estivessem se esgotando, existia um relógio de areia invisível que já estava esvaziando.
Já não havia palavras que não foram ditas, nem assuntos novos , parecia que algo triste e sombrio pedia passagem e por primeira vez em muitos anos as três não estavam felizes.
Livros, cinema, bailes e romances, tudo fora dito, talvez chegará a hora de falar em ressentimentos que também existam, mais sabiam que já não valia a pena.
Poder estar ali mais uma vez , parecia tudo tão igual e agora absurdamente irritante. No início as conversas quasse se atropelavam e agora o silêncio era palpável e tenso, praticamente insuportável.
O tempo e hostil e sobrepasa emoções e ausências, mais o medo, sim o medo inevitavelmente tinha invadido os olhos e a alma dessas três mulheres e isso não tinha volta a trás.
3- A despedida.
Tudo aquilo parecia insuportavelmente frio, o ar era denso e nenhuma das três se pronunciava, todas sabiam que as vezes o silêncio fala mais.
Hipoteticamente deveria ser uma reunião descontraída, onde tudo começava comentando o tempo lá fora e coisas assim, mais as possibilidades de descontração tinham se esgotado subitamente e as três pareciam completamente desconhecidas unas das outras.
Já não faziam ideia do objetivo dessa reunião, tudo parecia um roteiro desgastado e de mal gosto, todos esses anos foram suficientes e agora o terror da despedida era uma realidade.
Não era somente o apartamento que estava mofando, elas também tinham mofado, e tudo já era suficiente,
Sara e Stefani saíram em silencio, tinha sido a última reunião.
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Comentários
Belo conto, Diego! Parabéns!
Um abraço
Concordo com Margarida, uma etapa da vida difícil.
Parabéns
Abraços
JC Bridon
Uma etapa da vida difícil.
Bonito trabalho.