Reconhecer-se
Não me reconheço nesta imagem refletida no vidro da cristaleira. Não é um espelho de quarto ou de um banheiro. Rodeiam e escapam pelo chão da sala folhas amareladas desbotadas. Encampam um abandono desconhecido, um silencio gritante de mim mesma.
Não me reconheço como nos tempos passados e penso vez em quando voltar no túnel do tempo e me dói saber que não e nem posso voltar. Lá vivia em total reconhecimento de mim mesma e regava as folhas verdes com água doce em minha alma. Coração batia forte de emoção ao ver o galo cantar o primeiro grito do dia ainda escuro, um aviso de que teríamos o amanhecer de um outono com brisa suave suavizando meu rosto.
Esperava como muita calma dia a dia regando as flores vermelhas de meu coração devagar. Divagava na janela do casarão e sonhava com os pés de tamarineira do quintal. Tamarindo azedo, mas doce em minha alma.
Esperava o inverno para reavivar as roupas de frio desaparecidas nos guarda-roupas. Capotes de lã, que luxo para as paredes que se aqueciam. Luvas de mão rugadas aquecem a lareira, cachecol para arrepios aquece o sofá.
Não me reconheço hoje e finjo me reconhecer para não decepcionar os de casa e os dos amigos, mal sabem da minha total transformação e falta de existir.
O inverno vem vindo devagar para quem sabe enrijecer meu reconhecer até eu mesma buscar o desaparecer.
Antonio Domingos
Setembro 2020
Comentários
Poeta Antonio Domingos um texto profundo
que deixa uma boa margem para se refletir
gostei de ler parabéns deixo abraço...
Obrigado amiga Eudalia. Bom ter o seu comentário, uma honra
Antonio