Respirar é preciso!

Respirar é preciso!

 

 

Não é  pretensão a despedida,

A menos me leve de vez a vida

Para um etéreo sítio sonhado,

Onde só a alma tem guarida.

Mas, que digo? – Pura fantasia!

- Sobrevivo, deixo o tempo escoar...

A pandemia não me levou o ser -

Ainda resiste a matéria

E o espírito em pungente miséria -

Mas pôs fim à inspiração!

 

Por mais me pulse o coração

E se esforce a massa pensante

Ou me enterneça cada emoção,

Minha escrita se faz artificial:

Suplica vocábulo ao dicionário.

Falta-me a arte, o dom, criação...

Aquietar-me-ei. Vou ficar por aqui

A pensar feridas não cicatrizadas,

Suspiros e intenções reprimidas,

Projetos abortados, miragens.

 

Sinto-me triste, me envolve o pesar,

Não pela tímida imaginação

E acanhado, fugaz talento.

Mas pelo mal tenebroso

Que o destino nos reservou.

E então, como posso fazer poesia

Sem engenho, em meio ao lamento,

Nesse mundo sem bondade,

Nessa seara de injustiça,

Nesse lamaçal de iniquidade?

 

Mas... que tola pretensão me envolvia?

Não aspirava narrar proezas,

Nem feitos grandiosos, poemas eloquentes.

A natureza prossegue bela,

Sol e luar ainda se revezam

E a noite no céu de estrelas

Ainda faz a gente sonhar!

E assopra o vento nas palmeiras

Rangem os bambuzais

Na chuva torrencial...

 

Bastava-me o sorriso de uma criança

Narrado em palavras soltas,

Ainda que sem floreios, singelas.

Mas – ilusão – crianças ainda nascem famintas:

Não lhes sacia o mirrado néctar materno.

E crescem sem sonhos, desamparadas,

E se tornam desiludidas...

E o que mais vejo, senão promessas,

É só desamparo, é só ilusão...

Como, indago de novo, fazer poesia?

 

pedro avellar

setembro - 2020

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Pedro Avellar

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