Já me saciei nos sabores
Das ementas realistas
E senti fome de cores
Em paisagens fatalistas
Desejei os alimentos
Das mesas idealistas
E partilhei momentos
De sonhos surrealistas
Bebi águas impuras
Elixires predestinados
Alimentei às escuras
Uma fome de pecados
Compreendi a escravidão
Da solidão ser mendigo
Vi almas cuja aptidão
É viver sem ter nascido
Convivi com a hipocrisia
Desse gesto penitente
De enxertar na anatomia
Pedaços de outra gente
Partilhei o despertar
De gritos em pura revolta
Assisti ao desabrochar
De gente que vivia morta
Já me queimei nesse sol
Que a paixão reclama
Já me deitei sem lençol
Para não desfazer a cama
Fui corpo utilizado
Em mente inexistente
Animal idolatrado
Predador indiferente
Senti a dor do corpo
Tive pressa com calma
Fiz da solidão o porto
Para descanso da alma
Fui senhor de espaços
De esquinas esquecidas
Soldado que nos braços
Tatuou causas perdidas
Servo da indiferença
Amo de almas devotas
Vencido por uma avença
Vendi-me a mentes idiotas
Fui grande noutras mentes
Anão que desafiou gigantes
Inferior entre diferentes
Igual entre importantes
Comi com as minhas mãos
O sagrado pão de amigos
Sentei-me entre irmãos
E bebi com inimigos
Vivi o preto e branco
De um daltónico egoísmo
E cores de um falso pranto
De hipócrita altruísmo
Senti na pele a lama
Em portos desconhecidos
Queimei-me com a chama
De prazeres oferecidos
Imaginei ver sereias
Em peixes de palmo e meio
E comi mel de colmeias
Com o sabor do alheio
Escrevi odes sonhadoras
Prosas com rebeldia
Poesias inspiradoras
Com letras de alquimia
Fui palhaço de prenda
Cartoon em branco caderno
Filme mudo sem legenda
História de livro eterno
Caminhei sobre a areia
Com pensamento disperso
Fui estrela sem plateia
De mim verso e inverso
Quis um dia ser alguém
Que em mim não vi nascer
E não fui eu nem ninguém
Fui vida para esquecer
Tive neste meu tempo
Tanto tempo para perder
E tive esse momento
Que tempo me faz querer
Sou consequência
Sou construção
Sou evidência
De uma razão
Da vida quero presença
Sou de mim só um pedaço
Que ela mantenha a crença
De que com ela me faço
Comentários
Belissimo texto com ênfase na alma poética como essência. Parabéns
Muito interessante. Adorei. Parabens.
Obrigado Marta.
Abraço