Conto: "Fruto das circunstâncias"

Mais uma cena igual a tantas e tantas outras que se passam por aí em algum canto escondido de um lar.Lar?É uma mão que se levanta, um grito que se cala na garganta...Se cala ou é calado?Um corpo encolhido no canto da parede, assustado, machucado... assim, meio que enjaulado.Dor no corpo, nos ossos, na alma... dor que causa vergonha... Vergonha de se permitir sentir esta dor! Dor que muitas e muitas vezes se disfarça com o nome de... amor.Amor?!?!Ah! Dor!Dor de humilhação, de desrespeito, de solidão!E em meios aos gritos e dos chingamentos, entre os chutes, os tapas e os empurrões... fica difícil de pensar, quase impossível se esconder... se defendender!E então ele enfim pára, talvez se cansa e sai. A porta se bate e lá dentro, longe dos olhares, longe dos socorros, num canto, largado no chão o corpo jaz.lágrimas, hematomas, sangue... feridas no corpo e na alma...Não existe pensamentos...Não existe esperança...Não existem mais sonhos...A única coisa que resta é a sensação de impotência! E junto com esta sensação, a certeza de que algo precisa acontecer... isso tem que mudar! De qualquer forma... tem que mudar!Ela se arasta com dificuldade, se senta no chão.O corpo dói.A alma dói.Ela respira fundo com dificuldade, enxuga com força as lágrimas de seu rosto, prende o cabelo em um coque.Existe algo de diferente em seu olhar... será um quê de determinação?Ela levanta se apoiando na parede, vai cambaleante até o quarto e abre a gaveta dele. Pega a arma de fogo e verifica se está carregada. Está.Sente o peso do 38 nas mãos... está decidida.Esta foi a última vez, falou baixinho pra se mesma enquanto acariciava seu próprio braço.Nunca se sentira tão só e tão determinada em toda a sua vida.Voltou para a sala, puxou uma cadeira para o mesmo canto onde estivera caída ainda a pouco... sentou e esperou.Esperou e esperou por muito tempo. Ele viria. Ela sabia.Ele sempre voltava com aquele cheiro fétido de cachaça e de perfume barato... e ela estaria ali esperando ele voltar.Ela então escutou os passos pesados no corredor, viu quando a maçaneta da porta girou... a porta se abriu e ele entrou, bêbado.ela ainda estava sentada na cadeira, os braços estendidos, firmes segurando com as duas mãos a arma engatilhada.Ele parou de súbito, olhou para ela e falou aos berros: "o que é isso sua cadela?"Não teve tempo de falar mais nada, seu corpo se sacudiu e bateu na porta antes de começar a cair... ela se levantou calmamente e ficou de pé olhando para ele com cara de nojo.Ele estava com os olhos arregalados, as mãos apertavam o peito que sangrava... um fio de sangue escorria pelo canto de sua boca.Ele tentava balbuciar algumas palavras... "... sua ca-ca-de..."Ela puxou o gatilho de novo e de novo e de novo..."você nunca mais vai me fazer sofrer!"Uma poça de sangue se formou rapidamente.Ela passou calmamente as pernas por cima do corpo sem vida, abriu a porta e saiu deixando um rastro de sangue por onde passava.A arma estava ainda quente em suas mãos. .. desceuas as escadas, ouvia ao longe a cirene da Polícia.Continuou andando calmamente... descalsa... com uma sensação nova de liberdade dentro do peito.virou a esquina, jogou a arma na primeira lixeira que encontrou e seguiu em frente.Caminhou até a beira do Rio, colocou os pés na água e ficou ali, admirando o amanhecer.Não se deu conta quando os policiais apareceram e lhe deram voz de prisão.Não tentou fugir.apenas se levantou e estendeu as mãos para receber as algemas.Apesar dos hematomas, das feridas em seu rosto e corpo, da dor que carregava na alma, havia um pequeno sorriso no canto de seus lábios.Estava decidida! De um jeito ou de outro aquela cena jamais iria se repetir!Nasceu uma nova mulher!.....//.....(Considerem as figuras de linguagem)......//......A história por trás da história...Outro dia conversava com minha filha e ela comentou sobre uma coleguinha da escola que apanhou do namorado.Fiquei chocada com aquilo!A violência doméstica me choca.Ja fui vítima dela.Não sou e não serei jamais!Descobri que o segredo está em não aceitar.Sei bem o que é conviver debaixo do mesmo teto que um alcoólatra.Costumo dizer que Deus sabe o que fez quando me fez uma mulher pequena e "delicada", rsrsrs... confesso que se eu fosse desse tipo de mulherão forçuda, iria literalmente quebrar a cara desses valentões por ai... ah! Se ia!Mas.... e este "mas" faz toda a diferença, não sou assim.porém, tenho as palavras e as utilizo.Deixo aqui minha mensagem:"Por mais difícil que possa parecer, a mudança, o grande divisor de águas está dentro de nós mesmos e o primeiro passo têm que ser dado por cada um em busca do seu horizonte colorido. Não espere felicidade das mãos de pessoa alguma! Isto é ilusão."........///.........Elaine Márcia.
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Elaíne Marcia

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Comentários

  • Mas nem todas as violências deixam marcas físicas e visíveis, as ofensas verbais e morais, que causam dores, que superam a dor física. Humilhações, torturas e o abandono, são difíceis de superar e praticamente impossíveis de prevenir. Um marido é manipulador e ameaçador, e aterrorizante, cada dia uma novidade, uma calúnia diferente, a mulher tem que enfrentar este conflito, porém jogar com quem joga sujo assombra.

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  • Mulheres e homens- também-

    Pessoas que sofrem violença, abusos, de toda natureza...

     Muitas-os, toleran por seus filhos e filhas, algumas-os, até límites deshumanos.

    E ficam sem forças, sem ajuda efectiva, ou ameaçados com o que mais aman : os filhos-as.

     Aterrados...

     Há que estar na pele  dos que sofrem isso. Muitas vezes ocultamos aos familiares para não desgostar-lhes, ou provocar que fagan coisas sem pensar, pela indignação... E se perjudiquen.

     Ou porque saben que ficaram totalmente desprotegidas.

     Não jukgo a quem cala e tolera, há que estar na pele de quem sofre tudo isso.

     Mas o que sim é verdade é que deve denunciar e alejar-se de quem maltrata o mais longe possível, superando todos os medos, com muito valor, ainda com o risco de ficar sem ajuda .

     Pela pura sobrevivença.

     Há muitas víctimas , demais, em todo o mundo.

     Algumas-os, podem e tem onde ir e denunciar. Tem quenes ajudem... Em todos os sentidos.

     Outras muitas, milhoes, não. 

     Nem a mesma sociedade nem as leis apoiam. É uma tragédia.

     E se são meninos, ou mui maiores, ou enfermos-as, sem meios, sem ninguém... ficam muito mais desamparados. 

     E ainda com a lei, na hora da verdade, não funciona.

     Mas se deve tentar sempre, e não permitir nunca.

    Um texto mais que bom e uma situação que devemos denunciar sempre.

     Mentaliçar e educar na no-violença... 

    E  denunciando nós quando conhecemos, se a vítima - em muitos caisos e por muitas rações- , não pode ou não faz. 

    Me toca e afecta muito este tema .

     Bom demais tua denuncia nesste conto-relato.

     Obrigada.

     Parabéns.

     Mil beijos.

    Obs:

     Quando desde seu celular acesse a rede, olha acima, nas meninas linhas que te a dereita, abra e clique acima de onde diz : olhar como na computadora.

     Logo terá os icones como sempre, e poderá escrever e publicar normal, dependendo da calidade da sinhal, cobertura que tenha nesse momento.

     E separar os párrafos, linhas, com  pontos pelo meio.

    Beijos de novo.

     

    3607916?profile=RESIZE_1024x1024

     

  • A violência é de toda natureza, física, moral, psicológica.  E é verdade, só a mulher, ou o a pessoa que sofre a violência é que pode mudar e resolver este problema através da busca por ajuda. Parabéns Elaíne.

  • Só as mulheres que sofrem violência podem mudar a sua história... Belíssimo texto, Elaine! Bjs

  • Nossa !!!! Parabéns e Aplausos .... muitos aplausos por tao belíssimo texto... e concordo com você... já sofri violencia e não pensei duas vezes.. revidei e chamei a polícia e não tenho vergonha de contar ... por que o erro está em ocultar ... em não denunciar... ninguém merece ser agredido ... seja verbal ou fisicamente ... é o que digo: se não ha respeito não existe nada !!! Parabéns por teu texto !!! Otima reflexão!!!
  • Fiquei extasiado com o excursionismo da leitura que seu conto me transportou. Parabéns!

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