EU ERA O DECIMO

Eu era o décimo...
Nove antes de mim...
Todos jovens e selvagens
Todos corajosos e indóceis
Todos melhores que eu
Eu fui o décimo...
Fiz o que fiz depois dos outros nove terem feito
Senti a terra entre meus dedos...
Senti o cheiro ocre do mato...
Meus ouvidos cheios das suplicas dela...
A meu redor burburinho indecifrável
No horizonte os clarões das bombas
E os estrondos...
Nenhuma piedade na minha cena
Éramos dez...
E eu fui o décimo...
Se saciei alguma fome naquele dia não foi a da carne
Não foi a da luxuria...
Foi apenas a selvageria
Fui apenas besta...
Animal sem amor só instintos...
A moça tremeu em meus braços...
A moça gemeu em meus braços...
A moça sofreu em meu domínio...
A moça chorou certamente...
Mas eu não vi
Não pude olhar-le o rosto
Era a guerra...
Eram dias de batalha e fúria
Momentos de chama e ódio
Só amigos ou inimigos a minha volta
Só o comando de meu capitão
Só a batalha a caça o caos e  morte...
A moça era inimiga...
Assim disse o capitão
Assim concordaram meus companheiros
Era inimiga não merecia cuidados
Eu assisti os outros nove...
Um a um saciarem sua fome brutal no frágil corpo dela
Pensava em minha mãe que me criou pra ser honrado
Pensava em minha irmã que devia ter a idade da moça
Tudo em mim cada fibra cada sentimento em revolta contra aquele ato
Mas os nove se sucederam
Todos foram a ela e todos voltaram
Todos sorrindo e saciados
Todos me olhando...
Esperando...
Cheio de horror e nojo eu hesitei
Pensei mil coisas
Mil palavras...
Mas fui...
Fui o décimo.

Rodrigo L. Cabral

Votos 0
Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

Para adicionar comentários, você deve ser membro de Casa dos Poetas e da Poesia.

Join Casa dos Poetas e da Poesia

Comentários

  • Sabe existe a guerra do cotidiano, silenciosa e que se esconde em faces de desesperança, de medo, de dor, de incerteza.

    Um prazer ler-te.

    Bela noite.

    Destacado!

  • 3646097?profile=original

  • Triste realidade!!! Como dizem: "Na guerra tudo vale!! " Até perder os valores e o mínimo de decencia que o ser dito humano possui. Se transformam em selvagens no cio. Mais uma obra poetica digna de aplausos!! Parabéns!!! DESTACADO!!
This reply was deleted.
CPP