(Cenário do poema: - O poeta chega no Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro, sobe em cima dum caixote e começa recita-lo. Os transeuntes param para ouvi-lo.)
Respeitável público, não se assuste,
serão palavras simples que se lhes ajustem.
Nobres passantes, parem, ouçam o que digo.
Garanto que não pagarão mico.
Ó bêbados e prostitutas, ponham-se à escuta.
Excelcius irmãos marginais, venham prá luta !
No correr destes meus versos
servirei vinhos diversos.
Trata-se dum poema rimado
que a crítica haverá de execrá-lo.
Mas deixem prá lá. Não ligo.
Não enxergam o próprio umbigo...
Neste ossário que nos achamos
há crânios de diversos tamanhos.
Vejam aquele mendigo-menino:
- Terá sonhos enquanto dormindo ?
E o cachorro ao seu lado ?
Será que já foi alimentado ?
Ao leste, nuvens púrpuras;
A oeste, emoções impuras.
Observem os olhos cegos;
Percorrem as noites dos egos.
Essas roupas que nos cobrem,
expõem a nudez dos nobres.
Antes de quaisquer de nossos nomes,
há cascatas de brancos efêmeros e fome.
Sombras nas calçadas de pedra,
sucedem montanhas de terra.
Raios apunhalam na esquina,
assustam gatos, apavoram a menina.
Ventos empurram galhos rotos,
jornais velhos, passarinhos mortos.
Tentemos erguer um templo,
doar carinhos, ofertar exemplos.
Pelos labirintos e descidas,
comungar alentos e saídas.
Nesta ou naquela rua,
admirar a lua nua.
O bom sono que buscam,
dói na noite que véus ofuscam.
Cabelos e risos soltos
contrastam com o salário pouco.
Atrás do bom combate
há sempre um político traste.
E nós, sequiosos ratos,
seguimos vomitando fatos.
Os faróis da morte se acendem
e, não sendo o tempo, vamos em frente...
Eu aqui sozinho, vocês em multidão.
Tudo é viagem, nada os trairá, ilusão.
Vejam o mosquito ferido
incapaz de picar, sem zumbido.
Uma aranha a menos tecendo
e a mosca escapando, veneno.
Árvores catando folhas arrancadas,
ajoelhadas, quase mortas nas calçadas.
Poça cheia de larvas
refletindo nossas caras.
Lá na rua do cemitério
uma viúva comete adultério...
A alma do finado rico
deseja passar-lhe um pito.
No solar desmanchado
há um passado a ser contado.
...me cale, é o que querem ?
Vou atende-los, esperem.
Antes do fim, volto ao começo:
- Respeitável público, sou louco, reconheço.
Meus nobres ouvintes, estou convicto:
- Só os loucos não pagam mico.
Paolo Lim
Comentários
Friedrich Nietzsche disse que há, sempre, uma razão na loucura.
Os cegos enxergam mais do que os que os que olham,.
Aplausos para tua belíssima obra.
Destacado!
Me desculpando por só agora poder agradece-la pelo generoso comentário, beija-o docemente. Obrigado Edith Lobato.
Depois de tudo ler, quase ouvir, só me resta aplaudir!!!
Sua habitual generosidade, me encanta Marsoalex . Bjs do Paolo.