“Frô” do maracujá
Todos os dias tenho surpresas maravilhosas. Trabalho com duas vozinhas
que são duas figuras ímpares. Maria tem 86 anos e Zélia 90 anos.
Maria passa o dia a cantar a mesma musiquinha como se fosse a primeira vez.
Adora declamar um poema; deste que vos falo agora.
Sabe aquelas palavras chicletes, que grudam e não saem de forma alguma de sua mente?
Pois é!!! Assim é Maria com sua “Frô” do maracujá!!!
Sem mais nem menos, no meio da conversa, no banho, andando na rua...
quando menos se espera lá vem Maria a declamar sua “Frô” do maracujá.
E tem um detalhe, ela tem Mal de Alzheimer e sua declamação é perfeita em todas as suas nuances e entonações!!!!
Tantas vezes fez Maria que decidi gravar e aqui transcrever para vocês a grata surpresa
destes belíssimos versos, que descobri ser de um grande poeta chamado Catulo da Paixão Cearense.
" Frô"do Maracujá
Encontrando-me com um sertanejo,
Perto de um pé de maracujá,
Eu lhe perguntei:
Diga-me caro sertanejo,
Porque razão nasce branca e roxa,
A flor do maracujá?
Ah, pois então eu lhi conto,
A estória que ouvi contá,
A razão pro que nasci branca i roxa,
A frô do maracujá.
Maracujá já foi branco,
Eu posso inté lhe ajurá,
Mais branco qui caridadi,
Mais brando do que o luá.
Quando a frô brotava nele,
Lá pros cunfim do sertão,
Maracujá parecia,
Um ninho de argodão.
Mais um dia, há muito tempo,
Num meis que inté num mi alembro,
Si foi maio, si foi junho,
Si foi janeiro ou dezembro.
Nosso sinhô Jesus Cristo,
Foi condenado a morrê,
Numa cruis crucificado,
Longe daqui como o quê,
Pregaro cristo a martelo,
E ao vê tamanha crueza,
A natureza inteirinha,
Pois-se a chorá di tristeza.
Chorava us campu,
As foia, as ribeira,
Sabiá tamém chorava,
Nos gaio a laranjera,
E havia junto da cruis,
Um pé de maracujá,
Carregadinho de frô,
Aos pé de nosso sinhô.
I o sangue de Jesus Cristo,
Sangui pisado de dô,
Nus pé du maracujá,
Tingia todas as frô,
Eis aqui seu moço,
A estória que eu vi contá,
A razão proque nasce branca i roxa,
A frô do maracujá
(Catulo da Paixão Cearense)
Maria Angélica de Oliveira – 22/01/17
In Lig@ dos 7
Comentários
Obrigada Meire...
Belíssimo post, Angélica, obrigada por compartilhar conosco a sensibilidade de uma pessoa que luta dia após dia para não perder totalmente a memória.
A poesia é simplesmente uma maravilha da Literatura.
Aplausos!
Catulo é um hoje, lamentavelmente, um poeta pouco divulgado - embora seja autor dos versos de "Luar do sertão". Que pena! Tanta coisa bonita!
Que bom você fazer esse regate no seu belo texto, Angélica! Uma confissão da sua sensibilidade.
Obrigada Safira linda... é uma honra receber teu comentário e fico muito feliz que gostaste.... é realmente encantador e te conto mais ... comprei duas preciosidades dele que encontrei num sebo aqui de minha cidade... fiquei realmente maravilhada com o talento e sensibilidade deste magnífico poeta.
Beleza história retratada num conto de vida imensa
O fundo musical é simplesmente extraordinário !!!
Parabens Angélica
FC