Nasceu sem luz e foi chamada Mortalha
Nome sem razão que a mãe lhe deu...
Achava bonito,não precisava entender...
Nasceu serena nem chorou...
Pobre criaturinha sem cor...
Raquítica e assustada
Cresceu sem brilho habitando vielas
Encontrou brinquedos nas sarjetas
Fez amigos lá...
Eu sei que fez!
Suspirou na chuva desiludida
Viu o amanhecer apressado da cidade
Na luz do poste esperou o crepúsculo
Chorou...
Cresceu Mortalha sem entender o destino
Tinha morte no nome e não sabia...
Conheceu as rosas em jardins alheios
Sonhou um dia ter o seu...
Fungou no ar os perfumes das flores
Seguiu na fome o aroma da comida...
Desejou em vitrines...
Desejou em janelas...
Desejou em bancos...
Desejou...
E não teve!
Cresceu Mortalha e a despeito de tudo ganhou corpo
Formoso corpo que a miséria não minguou...
Embora tenha tentado
Percebeu que havia muitos desejos no mundo dos homens
Entendeu que era o desejo de muitos...
Aprendeu a vender o corpo que a miséria não venceu
Queria uma saída pra esta existência
Queria fugir mais do que queria viver
Conheceu as fugas nas substâncias dos homens
As substâncias entregou o corpo que a miséria não venceu!
Não fugiu por muito tempo,logo aprendeu
Nenhuma fuga durava muito por aquelas portas
Sofreu Mortalha num quarto imundo...crack urrando na cabeça e olhar vazio
Acordou numa manhã fria do seu décimo sexto aniversario...
Sem tempo nem motivos pra comemorar...
Andou pela manhã que o mundo logo trataria de sujar
Semi nua e suja de alma e corpo
Rebolando as ancas como aprendera a fazer...
Usando o corpo que a miséria não venceu
Caiu de joelhos em derradeira agonia...
Visão turva sem entendimentos...
Chorou seu pranto em meio a via
A frente de todos...
Caída e aparente...
E ainda assim tão só...
Num ultimo esforço abriu os olhos...
Estava diante do jardim que desejou
Fungou o ar em busca do perfume daquelas rosas...
Morreu desejando...
Morreu sem saber...
Mortalha de si mesma
Tombou.
RODRIGO CABRAL
Comentários
Minha nossa! Estupendo poema! Retrato real da realidade desta sociedade de poucos ricos e muitos sem nada.
Minhas reverências ao teu belíssimo talento.
Destacado!