Almas nas Tempestades Sombrias
João e Maria
Nuvens negras se formam no céu, ao longe, num prenúncio de que a tempestade se aproxima devastadora. Juntos, no quarto, Ana e José a brincar enquanto seus pais, Rubens e Melinda, preparam os lanches e verificam as lanternas caso falte energia.
No ar, uma tensão quase palpável!! Um sentimento de que algo está por acontecer...
Escutam os estrondos dos trovões e olham , entre atônitos e deslumbrados, a chuva de raios que iluminava o céu e tudo ao redor.
Não demorou muito para que os pingos grossos da chuva começassem a cair, primeiro lentamente, depois com mais força ... Os raios e trovões, agora, ressoavam acima de suas cabeças, fazendo com que a casa estremecesse.
De repente, a luz apaga no mesmo instante em que escutam batidas fortes e insistentes na porta dos fundos. Com o barulho, Ana e José se assustaram e começaram a gritar no escuro. Rubens tentava, em vão, acender a lanterna, mas esta não havia carregado.
Olhou para Melinda, que tentava acalmar as crianças e se lembrar onde estavam as velas quando, mais uma vez, escutaram batidas insistentes na porta dos fundos, acompanhado de um choro baixinho.
Rubens e Melinda sentiram um arrepio percorrer seus corpos tensos.
Como que saindo de um transe, Rubens aproximou-se da porta, a segurar a lanterna apagada como arma, abriu as trancas devagar e ouviu mais uma vez um choro baixinho... abriu a porta ao mesmo tempo em que Melinda chegava com uma vela acesa que encontrara numa gaveta e Ana e José agarrados a perna.
Levaram alguns minutos para se acostumarem com a escuridão, que foi quebrada pelos raios que caíam e se entreolharam novamente, como que para confirmar o que estavam vendo: duas crianças, pálidas e assustadas, um menino e uma menina que ficavam ainda mais assustadoras quando os raios caiam e iluminavam seus corpos magros.
Melinda foi a primeira a se refazer do choque, desvencilhou-se de seus filhos, e puxou pelas mãos as duas crianças que estavam completamente molhadas e assustadas. Os levou até o quarto e os ajudou a trocar de roupa, envolvendo-os num cobertor para aquecê-los.
Reuniram-se na sala, onde poderiam ficar todos juntos, enquanto o temporal continuava, parecia não ter fim.
Ana e José olhavam assustadas para os recém-chegados, que estavam a devorar o lanche servido como se há muito tempo não comessem nada. Assim que terminaram e se aqueceram, Melinda perguntou os seus nomes e o que faziam fora de casa, naquela tempestade??!!
João disse que se chamavam João e Maria e que haviam saído para comprar doces quando a tempestade os surpreendeu no caminho. Enquanto falava, uma sensação estranha pairou no ar... parecia que estava contando a história de João e Maria, que foram abandonados na floresta, se perdendo e indo parar na casa da bruxa.
Rubens perguntou-lhe se havia telefone em sua casa e onde moravam?? João respondeu que não tinham telefone e escreveu num pedaço de papel um endereço que se encontrava do outro lado da cidade, bem distante dali. Decidiu então que, na manhã seguinte os levaria até a casa onde moravam.
A chuva ainda caía torrencialmente e a luz não voltaria mais naquela noite. Os relâmpagos iluminavam a sala e os semblantes cansados de todos ali. Foram dormir mais cedo; João e Maria foram acomodados na cama de José.
A luz da vela a tremular desenhava sombras na parede e aos poucos foi findando até deixar o quarto escuro, iluminado somente pelos raios brilhantes.
Adormeceram rápido, menos Rubens que estava inquieto com a semelhança nas histórias de João e Maria. No dia seguinte iria levá-los em casa e saberia o que realmente acontecera e logo também adormeceu. Nem percebeu quando duas crianças saíram pela porta dos fundos.
Assim que amanheceu o dia, Rubens foi acordado por Melinda que apontava, trêmula, a cama onde deveriam estar João e Maria. Sobre o travesseiro, um pequeno bilhete escrito: " Obrigado!" sob chocolates em forma de corações.
Procuraram pela casa toda e nada de encontrarem os dois. Rubens lembrou-se, então, do endereço e decidiu ir até o local. Ao chegar, parou estupefato diante do portão!!! Conferiu diversas vezes o endereço!!! Um senhor aproximou-se e lhe perguntou se havia algo errado pois estava pálido de morte, o que não era pra menos, estava diante dos portões do " Cemitério dos Inocentes"!!!
Balbuciando, explicou brevemente o que acontecera e mostrando o papel com o endereço, achava que estava no local errado. O senhor retirou o papel de suas mãos e pediu que Rubens o acompanhasse. Ao contornar um túmulo, pararam em frente a um mausoléu em forma de casa de doces, igual a da história de João e Maria.
O senhor então lhe contou a história:" João, um menino robusto de 10 anos e Maria, doce e meiga nos seus 08 anos. Chovia muito naquele dia e eles queriam comprar doces mas a babá disse que só poderiam depois que a chuva parasse. Num descuido, uma janela aberta, eles fugiram e se perderam na tempestade. Foram encontrados alguns dias depois, abraçados e mortos, a segurar um embrulho com chocolates em forma de corações".
Rubens cambaleou e encostou-se no mausoléu, sem acreditar no que ouvia. O senhor continuou: "Muitas pessoas relataram que duas crianças bateram de porta em porta, mas ninguém as acolheu...fazia muito frio e resolveram entrar em uma construção vazia, morreram abraçadas, tentando se aquecer ... Dizem que vagam, a esperar que alguém as socorra, as alimente e as aqueça. Assim poderão descansar em paz."
Rubens sentiu a cabeça latejar e num instante estava no cemitério e em outro estava deitado, numa cama de hospital. Não se recordava do que acontecera. Talvez tudo não passara de um sonho, afinal!!!
Após alguns anos, já em outra cidade... o fato nem era lembrado mais...
E nuvens carregadas formavam-se no céu, os estrondos dos trovões se ouviam ao longe e os raios iluminavam a noite escura... Na cozinha, a família está reunida, a esperar os lanches que seriam servidos. E sem aviso a luz se apaga e a campainha toca! Todos permanecem atônitos, imóveis. Rubens vai até a porta... o coração disparado... a respiração ofegante... gotas de suor escorrem pelo rosto... os olhos ardem ao tentar se acostumar com a escuridão do ambiente...
Abre devagar a porta... tenta iluminar, com a lanterna, a entrada... não há ninguém!
No chão um pequeno embrulho, em forma de coração... Dentro um bilhete que dizia: " Há alguns anos salvou nossas almas. Obrigado! Ass: João e Maria". Rubens ficou em choque, queria andar mas não conseguia... O embrulho escorrega das mãos e ao cair, pequenos chocolates em forma de corações rolam pelo chão... Abaixa-se devagar... recolhe um por um... olha ao redor e do outro lado da rua, sob a chuva torrencial que começava a cair, vê duas crianças sorrindo... Balbucia : "Por nada, descansem em paz!" e sorri de volta.
Devagar entra em casa e fecha a porta... e ainda hoje ouvem-se histórias de duas crianças que vagueiam em dias de temporal, a bater nas portas a procura de quem as acolha, as alimente, as aqueça... e sempre que isso acontece... deixam sobre o travesseiro um bilhete de agradecimento sob chocolates em forma de corações.
Maria Angélica de Oliveira - 18/03/17
Dedicado ao meu filho Gabriel que me propôs este desafio delicioso...
Comentários
Angélica, você tem características de uma excelente contista.
Texto maravilhoso, instigante, prende o leitor.
Parabéns!
Obrigada Edith, que bom que gostou!
Angel...
Oieu eu de Novo...
Posso SUGERIR ALGO - Se não se importar??
1) Que este Conto faça parte de Novo Livro Tematico de tua Autoria (sem pressa de cria-lo)...
2) Que pense em um Titulo (a meu ver) mais instigante... Deixo uma ideia (mas reconheço que pode ser Mudada - se estudando (quem sabe outro Leitor - Escritor - Poeta ou Contista deixe Sugestão melhor),,,
3) Pensei (mas torno a dizer mui rápido e pode ser melhorado algo tipo: a) "João e Maria nas Tempestades Sombrias" b) "João e Maria" in: Almas na Tempestade...
gaDs
Assim que terminar a segunda aventura dos Caçadores de Mistérios, aceitarei sua sugestão e darei contunuidade às aventuras de Joao e Maria In Almas nas Tempestades Sombrias!!! Oxi... até que juntando tudo deu um ótimo título... Obrigada querido por seu sempre presente carinho e incentivo, o qual tenho em grande penhor e estima.
Nem vou repetir meu costumeiro UAU para as Leituras que me absorvem.... Que conseguem me inserir nos contextos do que imaginado... descrito... Mais do que isto = sentido!
Assim, foi e é na leitura que fiz devagar... Devagarinho - amante - apaixonado que sou por Contos e Causos (além de por Ti...)... E ainda estou pensando... No Conto... Nos Personagens da Ficção (será mesmo ficção???) na Autora... Nos Leitores e em Mim = "LEI" (Leitor Expectador Inserido) no mesmo!!
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Pensando por quê? - SIM - estamos em final de Outubro... Mês das Assombrações (Halloweeen na América)... E quando digo "Assombrações" (das quais vivenciei muitas nas vidas - incluindo nesta - além dos Tantos Contos ouvidos Contados por Aracy (Bença Mãe) e ouvidos atentamente por mim, onde tais "Assombrações" se faziam presentes... No entanto - Ah...
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Ah... NO entanto, urge-se ESCLARECER de pronto que o termo "Assombrações" - per sí - derivado de "Sombras" - de "Seres Mortos" (ou Mortos Vivos) assustam muitos de pronto (em especial as Crianças e também muitosss Adultos qual eumesminho - que não abandonou (ou resgatou) o SER Criança que vivem dentro de cada um de Nós (ainda que sobre ferrenha prisão). MAS... Ao menos nos Contados pela Minha Mãe, e na quase totalidade dos vivenciados (e contados ou a contar) por Mim, tais Assombrações são Almas que vagam pelos Imateriais Mundos (já que desprovidas da materialidade humana) - no mais das vezes, para nos dar a OPORTUNIDADE de fazer algo pelos Semelhantes... De nos redimirmos de culpas passadas - presentes e ou antecipando Bençãos Futuras...
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SIM - sei que me alonguei... - Quase fazendo Novo Conto como Comentário... Porém, senti necessário relatar tal sentir - "desassombrado" pelas Assombrações onde vagueiam pelos Campos - Cidades em Especial sob as sombras das Noites das Frondozas Figueiras - os porquês não sei...
Só sei que É assim!!!
BEIJOS Maravilhados pelo teu Conto Angélica... Tão apropriado para o Grupo (que és Administradora) e para o momento "Halloweenico". Fica o CONVITE para os Demais Contistas - Diplomados e ou Debutantes para nos Contarem sobre as "Assombrações" vistas e ou ouvidas em suas caminhadas! Mais Beijossss - gaDs
Que surpreendente final, Angélica! E tão ao gosto da proposta do grupo!
Vamos lendo e querendo saber rápido o desfecho!
O Gabriel deve ter adorado! Como nós!
Obrigada Edvaldo!! Penso que consegui cumprir o desafio e outro que foi escrever um livro de suspense policial para adolescentes " O mistério do Acampamento Lago Azul"... Gostei tanto que estou iniciando a continuação dos Caçadores de Mistérios baseado nas histórias que criam quando se reúnem com os amigos em casa.
Parabéns, Angélica! Escrever suspense policial, um gênero que exige fôlego, é controlar (e aumentar!) a adrenalina do leitor! Estou certo de que você teve o controle absoluto: já conhecemos sua criatividade "timing" para o suspense!
Todo sucesso para você!
Obrigada Edvaldo por seu carinho!