9 semanas de ficção

                         Volume 2

                                 PARTE III

                                     João.

          Era uma vez uma jovem de nome Duga que morava com a sogra e era casada com Lean. Apesar de ser paciente e ter facilidade de se adaptar com qualquer pessoa, ela estava enfrentando as reclamações constantes da sogra. Pior ainda: não dava motivo para tanto, não era ela a culpada dos desentendimentos; não conseguia agradar a sogra - em tudo o que fazia era imediatamente criticada, não porque fazia algo de errado, mas porque a mãe de Lean adorava complicar tudo. O esposo dela não tinha condição de sustentar duas casas, por isso moravam juntos e era ele quem bancava tudo com um salário mínimo.                                                                                            

          Um dia de domingo, para surpresa de Lean e da mãe dele, Duga amanheceu com a sua bagagem pronta, e disse:

          - Cheguei ao meu limite! Estou indo com mágoas, pois enquanto fiz o melhor, a minha sogra fez de tudo para acabar com o nosso casamento e, pior, conseguiu.

          Ela pegou as suas duas sacolas e saiu sem se despedir.  A mãe de Lean ignorou tudo como se não estivesse presente, e ele ficou entre a cruz e a espada. Pelo menos, naquele momento ficou neutro, nem tentou segurar a esposa e nem condenou a mãe.

          Passaram-se alguns minutos. Lean resolveu caminhar sozinho, como fazia com frequência quando criança. Saiu andando sem pretensão, sem destino, mas não tentou ir atrás de Duga porque, diante da situação, ela morando com a sogra, sabia que a decisão dela era irrevogável. Estava consciente de que acabara de perder a esposa que, com certeza, estava indo morar com os pais - um lugar, como ela mesma disse, de onde não deveria sair nunca e, com certeza, eles estavam sempre aguardando-a de braços abertos.

          Na verdade, os dois saíram caminhando. Ela com destino único e ele sem saber para onde ia; sem olhar para                                                                                         trás, apenas à procura de paz, mas Lean andava como se estivesse procurando em vão o olhar dela, mesmo que esse olhar  fosse  apenas  refletido  nas  águas cristalinas do rio...

                                                                                                               Aquele olhar que residia no seu coração. Levado pela esperança de rever o encanto do olhar dela, ele continuava buscando algo para uma nova oportunidade, uma reconciliação que talvez acontecesse, caso ela cedesse.

          Naquele momento, percebeu que um pássaro sobrevoava ao seu lado como se estivesse querendo gesticular algo importante. Ele notou que era o pássaro joão de barro, e olhando-o, disse:

          - João! Tenta trazer nas asas a paz. Eu quero tanto um pouco de tranquilidade, e acho que você acabou de me transmitir uma esperança.

          Instantes depois, o pássaro insistia em voar para o lado esquerdo e Lean pretendia continuar à direita. Toda vez que ele tentava caminhar à direita, o pássaro retornava inquieto, voava para cima, descia como se fosse fazer um pouso rasante, e depois seguia à esquerda. O mais incrível era que o pássaro estava tentando ensinar Lean que o melhor caminho a escolher é à esquerda porque é o lado do coração.

          Lean  ficou  impressionado  com  a  inteligência  do joão de barro e, a partir daquele momento, passou a obedecer a intuição do pássaro acreditando que ele tinha mais a lhe ensinar. Ele sentiu-se como um menino aprendiz que  é  ensinado  por  um  mestre  humilde  que  usa  o gesto     como material didático para mostrar como viver melhor; e aproveitou o momento de emoção dizendo:

          - João! Traz-me de volta minha esposa...

          O pássaro subiu, desceu e depois parou à frente dele como se estivesse perguntando: por quê? Por que queres tanto uma mulher que foi embora?

          Lean, atento, entendeu e respondeu:

          - Porque ela é tudo de que preciso.

          João de barro voou para bem alto, desceu novamente e bateu as asas devagar como se estivesse esperando por ele. Os dois seguiram pela esquerda e era visível a satisfação do pássaro, deixando claro que estavam na rota ideal.

          Poucos metros depois, o joão de barro pousou sobre um ninho de barro construído por ele mesmo. Depois, pôs a cabeça para dentro do ninho. Ao recolher a cabeça, apareceu outro pássaro - com certeza era a fêmea do joão de barro, pois apresentou-se  com  alegria  tentando  dizer que eles eram um casal feliz. Então, colocou-se ao lado do pássaro macho, igualzinho a um casal que se prepara fazendo pose para uma foto em família.

          Lean concentrou-se, pois precisava descobrir a mensagem  que o pássaro queria transmitir-lhe. Ali, sentado ao chão, ele ficou apreciando os dois e logo compreendeu  que eles tinham a felicidade, o amor, e tinham um ninho que simbolizava um lar. Exatamente o que eles não tiveram. Duga casou-se e não teve uma casa. Não é isso o que leva um casal à felicidade, mas um barraco aconchegante ajuda bastante. Como demorou tanto a entender que a melhor maneira para a reconciliação deles seria um lar, um doce lar; mesmo que fosse o mais humilde de todos, mas que a sua esposa pudesse sentir-se em paz, para também posar com orgulho na porta da casa para uma foto, para quando chegar à velhice ter um álbum de recordação!... Cabisbaixo, sem olhar para os pássaros, disse a si mesmo:

         - João de barro, eu compreendi tudo.

         Consciente e acreditando que já possuía argumento para reconquistá-la, pretendendo usar o ensinamento do mestre joão de barro, Lean, mesmo que não chegasse a conseguir a reconciliação, mesmo que  fosse condenado  a viver sozinho, jamais iria esquecer o segredo de como se guarda um verdadeiro amor, protegendo a sua querida de tudo, até mesmo dos fenômenos da natureza e da maldade humana...

           Roger Dageerre.

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Roger Dageerre

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Comentários

  • Depois que casa, não adianta, o casal deve procurar um lugar para viver sem interferências de ninguém, só assim crescerão em maturidade.

    Adorei.

    Parabéns!

  • 71098763?profile=original

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