9 semanas de ficção

                           

               Volume 2                                                                                                              

                          PARTE IV

                            Vento.

               Era uma vez um jovem de nome Renato que decidiu passar um dia apreciando o litoral maranhense. Caminhou com olhar tristonho e cabisbaixo até perceber que o sol estava nascendo. Logo esqueceu a sua tristeza, cruzou os braços e ficou encantado com o belo cenário provocado pelos raios ultravioletas refletindo nas águas do mar. Ondas eletromagnéticas de diversos comprimentos. O conjunto dessas ondas é espectro luminoso.  Renato caminhou por algumas horas até encontrar um rancho de pescador, com cobertura de palha, sem paredes, com armação de madeira do mangue. O piso era a própria areia da praia e costumava ficar abandonado até os pescadores retornarem da pesca. Servia como proteção de sol e chuva branda.             

           Renato aproveitou para deitar-se na areia, protegendo-se do sol. Ficou relaxando até quando o sol já estava se pondo. Levantou-se e continuou caminhando pela orla marítima, respirando o ar puro. Ao se aproximar das pedras, subiu nelas e procurou o ponto mais alto. Na verdade, ele estava tentando falar com alguém, mas estava impossível, pois pedras não falam. Desceu, caminhou em direção ao mar até a água ficar na altura do peito, e foi atingido pela fúria de uma onda gigante, como se o mar estivesse alertando Renato a não se distanciar demasiadamente para evitar afogamento. Ele levantou-se e tentou conversar com o mar. Mas era impossível, pois o mar tem reação repetitiva e ele precisava de algo que pudesse responder aos seus pensamentos tristes. Naquele momento, surgiu inesperadamente uma sereia bem na sua frente. Após mostrar-se completamente, parou à sua frente com a água na altura da cintura, como se estivesse escondendo a parte de baixo do corpo. A metade peixe ficou dentro d’água e a parte mulher ficou exposta. Foi à frente de Renato e  limitou-se a sorrir.

       - Você me entende? – perguntou Renato.

       A sereia respondeu gesticulando positivamente com a cabeça.                                                                                                              

       - Você fala?

       Ela respondeu balançando a cabeça de forma negativa.

       Renato ficou animado, pois era essa a oportunidade que ele esperou tanto tempo: falar sozinho com alguém que só entende e não critica, não muda a forma de interpretação, não interrompe, não atrapalha e não usa o que ouve para contra-atacar. Controlou a emoção e, diante da sereia, que continuava sorrindo, perguntou:

       - Você sabe por que os amigos morrem?

       A sereia, mesmo sorrindo, respondeu negativamente com o mesmo gesto.

         Renato percebeu que não estava conversando com “Deus” e se desculpou alegando que estava com saudade de um grande amor que já não mais fazia parte deste mundo. E como a vida continua, ele continuou o diálogo com a sereia:

         - A verdade é melhor que a omissão?

         A sereia respondeu gesticulando positivamente com a cabeça.

         - Será que eu tenho chance de ser feliz sozinho?                                                                                     

         A sereia apenas sorriu e mergulhou, desaparecendo sem deixar resposta - talvez porque ele forçou uma pergunta que só o destino com o tempo poderá responder. Renato ficou sem resposta, continuou caminhando até encontrar um cavalo-marinho. Depois de observar bem, perguntou:

       - Você me entende?

       O cavalo-marinho respondeu positivamente balançando a cabeça.

       - Você conhece sentimentos humanos?

       A resposta foi um gesto negativo.

       - A verdade é melhor que a omissão?

      O cavalo-marinho respondeu negativamente balançando insistentemente a cabeça.

       Renato percebeu que as opiniões sobre a verdade são diferentes.

      - Eu posso ser feliz sozinho?

      O cavalo-marinho fingiu que não ouviu e se foi aproveitando a volta da onda do mar.

      O jovem Renato entendeu por que ele não respondeu, pois   a pergunta  era  impossível  de  alguém  responder.   É assim mesmo com a humanidade. E ficou falando sozinho, perguntando a si próprio: “Para onde vão e de onde vêm as águas do mar? Por que existe tanto preconceito? Por que tanto ciúme? Por que as pessoas morem precocemente?” Até que ouviu uma voz do além:

       - Por que tanta pergunta?

       Renato assustou-se com a voz, procurou ao seu redor e não viu ninguém. Mesmo assim, resolveu responder:

       - Porque quero saber se alguém pode ser feliz sozinho.

       - Se você reconhecer sozinho as bênçãos concedidas por Deus e souber usá-las sozinho, com certeza vai ser feliz.

        - Quem é você?

        - Eu sou o vento. Você não me vê, mas me sente e pode me ouvir muito bem.

        - É verdade que você leva tudo?

        - Com a mesma facilidade que eu levo uma folha seca, levo também fortunas incalculáveis. Levo comigo um veleiro imenso. Levo a tristeza, os sonhos, a ingratidão, a mágoa, a solidão, a saudade, o ódio e os mortos.

        - É verdade que você, o vento, faz curvas?                                                                                                           

        - É, sim!

        - Então, quando o vento volta, o que ele traz?

        - A bandeira da paz, a esperança de mais saúde, mais educação, a gratidão, a satisfação, a alegria, a recordação, o carinho e o nascimento.

        - E você pode trazer a magia de poder  ressuscitar os mortos?

        - Não! Eu só trago aquilo que me autorizam. Esqueceu que sou apenas o vento?

        - Qual é a diferença entre trazer nascimento e ressuscitar os mortos?

        - Quem nasce não sabe por que veio. Pode ser para enfrentar uma vida inteira de sofrimento, ou até para fazer muito sucesso, para amar eternamente, ou até mesmo para se decepcionar com todos e com tudo; para sorrir nos momentos de muita alegria, ou para chorar de alegria, de tristeza, ou para também provocar tanta emoção com talento, ou até mesmo para trazer uma mensagem de gênio, ou apenas para morrer, pois a vida é longa e cheia de surpresas. E a morte já viveu tudo; sabe exatamente por que veio, conheceu os falsos e os verdadeiros, quem amou loucamente ou sofreu uma desilusão; quem aprendeu com o mestre da vida; quem ensinou até mesmo sem perceber; quem perdeu por incompetência ou ganhou por méritos; quem foi filho, mas nem todos foram verdadeiros pais. Alguns foram condenados pela lei da vida, ou foram executados por justiça divina. Alguns  acomodaram-se enquanto outros batalharam até tombarem vencidos. E uns que viveram buscando o bom e o melhor, deixando riquezas incalculáveis, enquanto outros se foram deixando a moral como uma herança. Mas, todos que se foram, independente de tudo, com certeza, deixaram muita saudade...

        - Você é um profeta do além?

        - Não! Esqueceu que sou apenas o vento?

        Roger Dageerre.

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Roger Dageerre

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Comentários

  • O ser humano com suas indagações e dúvidas existenciais.

    Parabéns por este conto.

  • Maravilhoso texto parabéns poeta Roger....

  • 71198726?profile=original

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