A MULHER DESCONHECIDA (CONTO)

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A MULHER DESCONHECIDA (CONTO)

 

 

Senhora de meia idade  anda em sua bicicleta com uma cadeira  sobre a roda traseira para carregar uma criança e nunca se viu uma criança no plástico queimado  pelo sol.

A bicicleta roda em boa velocidade nas pernas rijas desta mulher e  um guarda de transito poderia multá-la se desavisado. Para os padrões da sociedade ela é  feia. Padrões não combinam com a realidade. Feia para uns  bonita para outros ou assunto contornável para muitos. Enfim, era dita feia.

A pele morena levemente enrugada e os cabelos penteados  e  emaranhados pretos e quando o vento era forte, este desviava dos cabelos e do rosto desta mulher.

O seu nome qual é, bem, ninguém sabe, ninguém perguntara. Sempre  dominada pelo guidão jamais alguém a viu parada, sequer em comércio.

Ela morava onde, mistério, resposta difícil de abordar.

Certo dia dois jovens amigos caminhando nas altas madrugadas tiveram a impressão de que ela entrara num humilde barraco localizado na última rua sem saída do bairro. Curiosos aproximaram e bateram palmas no portão. Não atendiam. Escutava-se um eco de suas vozes vindo de dentro do barraco.

Era um barraco de verdade. Portão de compensados ajeitados a gosto com tranca. Todo pintado de novo, tipo tinta fresca  de madeiras desajeitadas e lá dentro uma claridade de luz de vela. A calçada limpa, como de primeiro mundo e o quintal com muitos vasos de plantas bem cuidados. Quintal exemplar.

Os dois jovens marcados pela frustração combinaram em passar àquela noite na esquina , cerca de 300 metros do barraco, de tocaia,  sentados no meio fio até ao amanhecer. Queriam um certificado de residência da estranha mulher   da bicicleta e mostrar suas qualidades de  repórteres e vingadores.

Por volta das 7:00 hs da manhã de repente o portão abriu-se , a mulher montou na bicicleta e pedalou. Os dois rapazes saíram em disparada para o esperado encontro, correram bestialmente contra o exíguo tempo e um deles tropeçou  nos próprios pés, caiu de cabeça no meio fio, e surtou um traumatismo craniano com coma instantâneo .O outro bufando foi buscar por  ajuda.

Este foi mais um dia em que a mulher desconhecida seguiu suas intuições (cremos...) e rodou o dia inteiro pelas ruas da cidadezinha “ conhecida pelos olhos alheios e desconhecida pelo odor de nariz”

O Jovem que ficou de tocaia naquela madrugada, aquele que não quebrou a cabeça no asfalto, sentia remorso da estúpida morte do amigo. Sem motivos justificados transformou-se em andarilho nas madrugadas em busca do nada psicótico.

Em certo domingo contracenando a tal caminhada noturna , de repente, viu a mulher da bicicleta entrar por portão social de um sobrado da Rua Paraopeba.

Não pensou duas vezes  e fez plantão , agora, em frente ao portão do sobrado. Agonizou de ansiedade e até pensou em desistir  perto do alvorecer.

-Ora, porque estou atrás de uma mulher desconhecida, maltrapilha , feia e desconhecida?

O dia nasceu lindo de muito sol e céu límpido. Deu meio dia e o rapaz desolado, com sede, fome e suor desistiu. A mulher não saiu pelo portão até àquela hora. O jovem virou a esquina e logo instantâneo  a mulher saiu pelo portão  social de bicicleta e seguiu a andarilhar pedalando pela cidade e cercanias.

 

Chegara o dia da mulher prestar contas a Deus. E como todo ser humano chegara o seu fim com a prematura morte. Sem braços de  alguém para levá-la ao cemitério o próprio coveiro carregou o caixão. Ela descansou dormindo em frente  a cova de seu filho que morrera 7 anos atrás atropelado quando saía da escola. O coveiro sentado na cova do filho  orou uma oração falando com Deus para receber bem o seu Amor.

A bicicleta o coveiro guardou no sobrado.

 

FIM

Homenagem aos invisíveis e indigentes.

Antonio Domingos

31 de Jullho de 2018

 

 

 

 

 

 

 

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Comentários

  • 133769539?profile=RESIZE_710x

  • Eu gosto do conto que começo a ler e me esuqeço do tempo e quando percebo-me, já acabou.

    No conto a mulher parece que dormia um dia num e noutro lugar e, assim que a luz do sol faz o dia, voltava à sua rotina diária.

    Há muitos pontos de reflexão em teu conto e eu amei ler.

    Obrigada por compartilhar.

    Parabéns!

    • Obrigado por ler e por valioso comentário.

      Vale os seus sentimentos e interpretações sobre a leitura, Importante foi ter gostado deste singelo conto.

      Lisonjeado estou.

      abraços fraternos

       

  • Gestores

    3624161051?profile=RESIZE_710x

  • Bom Dia e... GRATIDÃO por comPartilhar conosco teu conto que li acuradamente absorvendo - ou melhor - mergulhando no mesmo, como assisto aos Filmes que tanto amo!

    Ah... Mulher estranha mesmo, nos revela teu conto, deixando-nos dentre outras as dúvidas e reflexões:

    * Os registros históricos da Rua Paraopeba acusam a história como verídica ou é mais "estória entremeada pela ficção"?

    ** Os registros da mesma ser "feia" revelam tanto os preconceitos quanto as discriminações de nossa (des)humana sociedade, estabelecendo os tais "padrões" para quase tudo?? Até quanto não aboliremos tais comportamentos??

    *** Os "The Ends" tanto do rapaz desafortunado que qual "paparazzi" a seguia e morreu na queda bem como da Mulher desconhecida - quando revela que tinha um Filho levado aos céus prematuramente, de certo modo, desvelam um pouco do mistério de sua sofrida vida (aparentemente)???

    CONCLUO renovando NOSSOS e meus agradecimentos pelo teu Conto (que pode ser um Filme). Ah... Independente de te-lo postado aqui em teu Blog Pessoal, pode também posta-lo (RECOMENDAMOS) no Grupo "Contos e Causos" desta Casa que também é tua. Para tanto, basta ACESSAR no alto => GRUPOS e na Pagina que se abrir procure o Grupo => "Contos e Causos" e uma vez nele, CLIQUE em "Join" (participar) para fazer parte do mesmo e publicar teus eventuais Novos Contos (alem deste)

    gaDs

     

    • Caro Zeca,

      Obrigado por ler e por seu precioso comentário.

      De fato, procurei o Grupo Conto para publicar corretamente, mas não encontrei, quer dizer. não enxerguei

      Abraços fraternos

    • Renovados cumprimentos co'a GRATIDÃO ao Inventor do Amor primeiramente Menino Poeta antonio domingos!

      Esclarecendo melhor, INFORMAMOS que quaisquer tipos de Poesias / Contos / Textos Literários e outros (à excessão de Poesias consideradas "eróticas" que tem Grupo próprio) PODEM SER POSTADAS no Blog Pessoal de cada Membro de nossa Casa.

      No entanto, RECOMENDAMOS que Obras específicas quais "Contos" / Indrisos / Plêiades / Acrósticos etc - sejam postados nos correspondentes Grupos - ainda que saibamos que por costume (que pode ser mudado) tais Grupos são menos visitados.

      RENOVAMOS nossos aplausos ao Poeta e sua cativante humildade e simplicidade que per sí também são Poesias! gaDs

       

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