Amor em Viagem

Amor em Viagem

 

Aquele amanhecer de vendaval, mais não era do que o prolongar de uma noite de verdadeira tempestade que impedira Francisco de dormir. A tempestade que o impedira de dormir não fora, na realidade, a provocada pela mãe natureza, mas sim aquela em que, desde há algum tempo, se transformara a sua vida. Efectivamente, desde que tomara conhecimento da traição de que vinha sendo alvo, por parte daquela que jurara amá-lo, que a sua vida se tornara numa verdadeira tempestade. Nunca lhe passara pela cabeça que Paula lhe conseguisse fazer tal coisa, e logo com aquele a quem tinha por grande amigo.

Francisco viu o convite, do seu amigo Avelino, para se deslocar ao Porto, como um modo de sair do estado vegetativo em que vivia desde então. Havia perto de seis meses que descobrira toda a farsa em que o seu casamento se tornara e não via maneira de refazer a sua vida, não fora a poesia e os amigos, talvez já tivesse cometido alguma loucura. Era a poesia quem o ajudava a superar aquela grande dor e fora a poesia que o levara a aceitar o convite do mano Avelino, modo carinhoso como ele tratava o amigo. Era hora de voltar ao mundo dos vivos.

Francisco apanhou o comboio das oito horas, em Santa Apolónia, sem saber que aquele era o comboio que lhe iria mudar a vida. Entrou, procurou o seu lugar e sentou-se, a carruagem estava praticamente vazia, recostou-se no assento e desejou que o comboio arrancasse rápido, como se pressentisse a importância daquela viagem, para o seu futuro.

Chovia bastante, Francisco recordou-se que, com essas condições atmosféricas, era normal registarem-se perturbações na circulação ferroviária, principalmente na zona de Santarém, “Os tempos são outros”, pensou. Mas não, parecia que o tempo não avançara, ao chegarem a Mato de Miranda, o comboio começou a abrandar a marcha, estiveram parados durante algum tempo e arrancaram. Voltaram a parar no Entroncamento, não estava no plano de viagem, e viu entrar alguns passageiros, saberia depois que se tratava de passageiros de um outro comboio que avariara. Retomaram a viagem.

Estação de Caxarias, depois de bastante tempo de paragem, são informados da queda de uma árvore na linha e, por isso, terão de aguardar. Retomam a marcha, depois de mais de uma hora à espera. Francisco espera que os contratempos tenham terminado, já não lhe bastava a chuva para lhe estragar os planos, agora também tinha de se debater com tão prolongado atraso. De repente, uma forte pancada, o comboio começa a abrandar, apagam-se as luzes, parece-lhe ver algumas faíscas na carruagem atrás da sua. Não quer acreditar, uma árvore caiu mesmo sobre o comboio e danificou o pantógrafo. Não se avizinham horas fáceis, estão num local ermo, no meio do campo, sem qualquer possibilidade de ali chegar viatura alguma para os retirar. Só lhes resta esperar. Outra vez.

Alguns passageiros começam a dar sinais de alguma intranquilidade, uma senhora de meia idade quer um “Expresso”, logo ali no meio do mato, o revisor diz-lhe para não se preocupar que aquele comboio tem tecnologia do melhor que há, pelo que em breve sairão dali.

Francisco vagueia pelas diversas carruagens, vai até à máquina e obtém a localização correcta, “marco 140-10 entre Caxarias e Albergaria dos doze”. Volta para o seu lugar, certo que tão cedo não sairão dali.

No banco à sua frente viaja uma jovem, Francisco ainda nem dera por ela, só agora, que a jovem parece estar em dificuldades para comunicar com a família é que repara nela:

- Sabe dizer-me onde estamos?

- Um pouco antes de Albergaria.

- Vamos demorar muito?

- Suspeito que sim.

- Oh meu Deus, a minha família está em cuidados, recebo mensagens deles mas não consigo comunicar.

Lourenço oferece o seu telemóvel à jovem:

- O meu ainda consegue apanhar um pouco de rede, tente daqui.

A jovem lá consegue comunicar com os seus familiares e agradece-lhe:

- Muito obrigado, o meu nome é Isabel. Vai para o Porto?

- Vou. Desculpe, sou o Francisco. Quero dizer, ia. Por este andar nem vou arranjar onde dormir.

- Não se preocupe, eu sou do Porto e arranjo-lhe onde dormir. Vai em trabalho?

- Não, eu sou poeta e vou participar num encontro de gente das letras…

- …No Orfeão do Porto!

- Sim.

- Boa, eu também conto lá ir, sou amiga da Ana.

- Oh. Que coincidência…

- Desculpem, vocês são poetas? Eu também ia para o encontro no Porto.

Francisco já reparara no individuo que se lhes dirigia, principalmente pelo seu singelo toque de alerta do telemóvel, o som de água a cair numa cascata, algo que vinha mesmo a calhar naquela altura.

Após bastante tempo de espera, o comboio lá retomou a sua marcha. Francisco mudara-se para o assento ao lado de Isabel, não era só o comboio que retomava a marcha, era também a sua vida que voltava a entrar nos carris da vida.

Chegaram ao Porto a horas de irem jantar, na companhia do mano Avelino. Este sorriu ao ver o modo como Francisco olhava para Isabel. O serão decorreu de forma agradável e Francisco, talvez inspirado pelo amor que despontava, brilhou na escrita, apressada, de dois ou três poemas.

Daí em diante começaram a escrever poesia a quatro mãos e um só sentimento, o amor.

 

Francis Raposo Ferreira

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