Arquimandrita
J. A. Medeiros da Luz
Ao se despedir das luzes, solitário,
O velho prior suplica, cantando ao vento,
O qual suscita o farfalhar das folhas
Neste alto de colina onde demoram
— Em cogitações silentes, fluidas,
Que nem pétalas à deriva no igarapé,
Quais arabescos de polens voejantes —
Seres angelicais, etéreos, plasmados a brisa.
Pois, assim, poderão eles insuflar,
Naqueles ignotos grotões do paraíso,
O eco das notas lamentosas do asceta,
A estradar a santidade, tão dificultosa,
Via o sinceríssimo fervor do salmo.
E, no que escoa o mistério imponderável
Da sucessão gotejante dos instantes,
Aves altivolantes, que giram com vagar,
Circum-navegando o limiar do zênite,
Por ventura põem-se lá a inquirir:
— Por que, após milênios, voltamos a ouvir,
A levitar nos rarefeitos ares da montanha,
Tais sílabas intensas em aramaico, idioma
Vetusto, proferido tendo sido, por primeiro,
Tão longinquamente deste outeiro,
Tingido, no momento, da luz do entardecer,
Tangido, no momento, dos dedos vaporosos do vento,
Já soluçante agora, em coro monotônico,
E em linha melódica com o velho santo?
Ouro Preto, 12 de novembro de 2023.
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br; © J. A. M. Luz]
Comentários
Em qualquer ramo da sociedade, também a religiosa, há muitos dignos que trabalham em prol dos menos favorecidos.
Olá J.A.M.da Luz
Um poema gostoso de sentir dentro de nossa alma.
Parabéns
Bela inspiração
Abraços
JC Bridon
Obrigado, caro Brindon, pelo comentário acolhedor, a poema sem muita melodia.
Com efeito, é mágica a aura daqueles denodados beatos que, durantes décadas pedregosas, prosseguem impávidos e humildes no caminho da completação do espírito, tão superiores ao comum das gentes.
A eles, com o seu sacrificar das doçuras do mundo, bem faríamos (não importando nossas próprias crenças) se, além de tirar o chapéu, enchermo-nos de coragem e estender-lhes a nossa túnica, para não molharem as alpercatas gastas da peregrinada, acaso nos encontrem em senda traçada nos terrenos pantanosos da vida…
Abraço.
j. a.
Pessoal:
Eis um poema, em versos brancos e sem metro, e algo estrambótico no tema. Desconfio que ditado pelo desejo, ademais irrealizável (para além de embrionário), da comunhão com eventuais causas primárias, tão intensamente sentida na alma dos devotos. Enfim, inveja da serenidade de quem navega por mares etéreos, para além do alcance do escrevinhador, que terá escolhido, no manejar a famigerada navalha de Ockham, a mais simples, embora — pessoal e ontologicamente —, a menos reconfortante das premissas...
Abraço do J. A.