Conto de Natal - A meu Pai

Conto de Natal

A meu Pai que cumpre hoje, esteja Ele onde estiver, 98 anos de amor e os quais viveu a amar todos quantos tiveram a sorte de se cruzar com ele. Parabéns. Pai

O denso nevoeiro, que não permitia ver dois dedos para além da ponta do nariz, associado ao forte vento que teimava em arrastar as folhas das árvores, provocando a sensação de que alguém varria as ruas da aldeia, constituíam argumentos mais que suficientes para que ninguém em seu perfeito juízo se pusesse à estrada.
Ti Martinho ia alternando os minutos entre estar sentado no velho sofá e ir espreitar pelo postigo da velha porta da casa, como se esperasse alguém. A sua esposa é que já começava a ficar chateada com aquele constante caminhar dele para a porta:
- Oh homem, tu convence-te que não vem ninguém. Eles querem lá saber dos velhos para alguma coisa.
- Não vêm, não vêm. Até parece que estás a desejar que não venham. Olha, sabes uma coisa, vou mas é acender a lareira.
- Pois então. Era mesmo só o que faltava. Acenderes a lareira para, não tarda muito, irmos mas é para debaixo dos lençóis.
- Ah, mas é que vou mesmo. Já que tive tanto trabalho a guardar o madeiro, também não há-de ficar ali a rir-se de mim. Olha, sempre aquece a casa.
- Vai. Aliás, nem sei para que me estou a chatear. Tu, quando se te mete uma coisa na cabeça, ninguém te convence do contrário.
Ti Martinho abriu a porta de casa, dirigiu-se à velha cozinha e tratou de arrastar o grande madeiro que guardara em lugar seco para a lareira de Natal. Ainda não estava convencido que os seus filhos os deixassem sozinhos.
- Oh homem, mas porque é que tu não te deixas estar sossegado? Eles não vêm. Achas mesmo que iam sair do quente da casa deles só para virem fazer companhia a um par de velhos?
- No quentinho da casa deles não. O nosso Francisco deve estar bem pior que nós. Com este tempo, o que a vida no barco deve ser mais é o paraíso.
- Ora, logo esse. Quando está em terra, aqui mesmo ao pé de casa, passa meses sem cá pôr os pés.
Ti Martinho lá ia continuando a tratar de acender a lareira, ainda tinha a esperança que um ou outro dos cinco filhos, aparecesse. A esposa acabou por se juntar e foi assim que se prepararam para jantar, na velha cozinha como costumavam fazer noutros tempos. Chiquinho lavou as mãos e foi espreitar, mais uma vez, pelo postigo. Algo lhe despertou a atenção. Pareceu-lhe ouvir o barulho de um carro. O seu coração deu um salto. Apurou o ouvido, mas não conseguiu ouvir mais nada. Fechou o postigo e voltou à velha cozinha. Foi quando se preparava para se sentar que ouviu umas pancadas na porta:
- Pai, mãe. Abram a porta que está um frio de gelar.
Ti Martinho levantou-se de um salto, era a voz do filho mais velho. O seu coração de pai não o enganara. Correu a abrir a porta e ficou estupefacto. Não era só o filho mais velho, mas também os outros três, só faltando o marinheiro. Ti Martinho afastou-se, indicando-lhes que se fossem aquecer que o fogo já crepitava a bom crepitar.
- Avô, que bom que acendeste a lareira.
- Acendi-a para ti, meu netinho. Para ti, para mim e para a avó, eles ainda não precisam. Nós é que precisamos.
- Nós!
- Sim. Eu e a avó porque já somos velhinhos e tu porque ainda és uma criança.
As filhas ajudaram a mãe a pôr a mesa e preparavam-se já para jantar, quando novas pancadas se fizeram ouvir na velha aldraba da porta. Quem seria àquela hora?
- Com que então, iam jantar sem mim.
- Francisco. Oh filho, não andavas embarcado?
- Andava. Senti o cheiro do nosso madeiro de Natal a arder e pedi autorização ao comandante para descer do navio quando ele passou por aqui e vim a correr, ainda bem que acendeu a lareira.
- Acendi-a precisamente para isso. Para chamar os meus filhos. O avô já te contou a história do madeiro de Natal?
- Olha Tó, sabes o que é isto?
- Sei pois, tio. É grão para assarmos na lareira depois do jantar, enquanto o avô nos conta aquelas fabulosas histórias que só ele sabe. As Histórias do Ti Martinho.

À tua memória, Pai.

Um grande beijinho

Francis Raposo Ferreira
21/12/2019

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