Daguerreótipo
J. A. Medeiros da Luz
Uma parede clara, em tom pastel.
À frente dessa parede clara,
Uma silhueta humana
Exibindo delgada faixa marfínea de um sorriso.
Dependurado no canto superior direito da parede,
O cilindro esmaltado de um relógio
(Centelhando sua calota vítrea)
Envelopa ponteiros, estando um deles, marchante,
A acoplar-se com continuado e audível
Tique-taque, tique-taque, tique-taque…
Dia virá em que terão cessado:
O mecanismo de engrenagens propelidas,
A verticalidade dos tijolos argamassados,
O claro tom pastel.
E da humana silhueta restará
O vaporoso ectoplasma de emoções,
De lembranças a evanescer,
Na cadência de outras silhuetas,
Que, igualmente, a seu devido tempo,
Hão de se diluir, imitando
— Na natural ordem entrópica, antrópica da vida —
Aquele deslembrado vulto predecessor.
Aquela silhueta que, posando,
Não se apercebia
De que, em verdade,
Todos, todíssimos relógios
Contam regressivamente.
Ouro Preto, 2025 — maio, 18.
Comentários
Prezado Poeta J.A.M.da Luz.
Esperamos que esteja bem de saúde..
De fato foi inventado muitos tipos de mecanismo com funcionamento mecânico...Daguereotipos....
Passamos a sistemas analógicos e por fim digitais, e ainda vamos enfrentar a Inteligência Artificial com suas bondades e também muitas maldades ( crimes modernos).
De fato o relógio tem uma contagem regressiva, do ponto de vista real... É uma realidade a função regressiva enquanto o tempo sem objetar segue em frente.
Sinto saudades do tique taque do relógio , sofisticado de parede.Os ponteiros marcando segundos de nossos passos. Até quando!!!
Hoje encontramos muitas quinquilharias baratas e sem qualidade, descartáveis. O relógio de parede, ora agora uma objeto , uma relíquia de família e o relógio de pulso estã caindo em desuso porque as horas tem no celular (/Digital)
" A natural ordem entropica, antrópica da vida" repito este seu verso que gostei demais...
A vida que segue física e espiritual
Sua poesia é lindíssima e o importante não são meus humildes e sim o fato de que eu gostei.muito de ler.
Abraços fraternos Poeta.
Pessoal:
Uma dilatada quinzena a lutar contra vírus alojado nas vias respiratórias, entre febre e tosses intermináveis, fez-me pensaroso das coisas da vida. E cogitei de minhas dívidas literárias comigo mesmo... Uma delas era vaga pendência que, anos atrás, me pespeguei: a de celebrar (se posso assim me expressar) o óbvio, aquela finitude discreta, mas sonoramente ponteada, monotonicamente, pelos solenes relógios de parede.
Os dias de hoje se contentam com módicos relógios de lojas de badulaques, que, não tendo aquela solenidade envelhecida, sonorizam igualmente a contagem regressiva — mantendo intacta a mensagem. Que assim seja!