Do genoma da fênix
Por J. A. Medeiros da Luz
Sou como uma daquelas vetustas gárgulas
Encarapitadas nas alturas das arquitraves e cornijas,
Com a carnadura de mármore escalavrada
Pelo ácido dos séculos e dos líquens,
No congelamento in saecula saeculorum,
De uns olhos irônicos, um esgar, um misto
Do aturdimento existencial e riso alvar,
De quem se descobre suscitador
De terrores de viventes, lá de baixo a espiar,
Neste finalzinho de tarde.
Já num ensaio para a síndrome de Paris...
Sou como uma gárgula de eras,
Que, num alvorecer qualquer do calendário,
Súbito terremoto, sacolejando, bruto,
As entranhas dos alicerces do planeta,
Trinca, lasca, despenca, estatela
— Qual rosada manga nos úmidos quintais da infância —
Os membros petrificados; muito embora,
Nos destroços ao rés do chão, possa, ainda,
Se vislumbrar lasca de olhar irônico,
Ao lado de garras de esfinge em pedaços,
Derradeira mensagem à efemeridade dos viventes,
A acusar a alma intrinsecamente termodinâmica
Deste existir: aspecto afinal reinante
Pelos séculos dos séculos — e mais não se diga,
Que pondero não haver mais o que dizer.
Ouro Preto, 25 de novembro de 2020.
Comentários
J A M, estava lendo seu poema, já havia lido outros e, sim, tua escrita traz à lembrança o eu lírico de Augusto dos Anjos, eu gosto desse ir-se para o imo buscar o refletir da vida, escarafunchar os porquês.
Aplausos a ti pela obra.
Coloquei teu poema num pergminho, se gostares pega e salva, é teu.
Cara Edith:
Agradecido pela gentileza de embelezar os versos com sua arte. Baixei o pergaminho e incluí no nome do arquivo correspondente a grife: "by Edith Lobato". Abraço; j. a.
Meus aplausos!
PARABÉNS J.A.
DESTACADO!
Cara Angélica:
Um velho amigo, ao ler o poemeto acima, detectou uma influência do Augusto dos Anjos, de vida sofrida e com aquele sentido trágico do ser (ao contrário de seu irmão, o satírico e pouco conhecido Aprígio dos Anjos). Esse tema da finitude das coisas e da vida, em que pese ser o mais manjado papo de boteco, é uma tônica no Homo sapiens, pois (resumindo) sabe muito bem esse mamífero prodigioso que não há quem — nem mesmo talhado na pedra — esteja a salvo do terremoto final. Soa algo trágico, mas é somente um alerta para que não dissipemos — inebriados com os falsos acenos da ventura — os preciosos momentos partilhados do existir; os quais, em sendo partilhados, valem o dobro, ou mais: valem mesmo por um renascer a cada instante, fênix que somos todos, quase por ofício.
Abraço deste tropeiro virtual: j. a.