Elegia algo dissonante
J. A. Medeiros da Luz
— a Antônio Coelho da Silva
Justo a meio curso da bulha do viver,
Amigo, tu partiste, no dealbar do século, súbito.
Assim, numa manhã luminosa do cerrado,
Às onze horas, irrompem três salvas de tiros de festim,
E hirto corneteiro negro,
Na elegância militar do porte e trajando
Seu uniforme de gala faiscante,
Insufla as dolentes notas de adeus a seu major.
Quarenta segundos de silêncio e de novo,
Em triunfo, mil cigarras trilam e retinem,
Enquanto libélulas esvoaçam sob o sol de verão.
Ao lado do profissionalismo dos coveiros,
Tua menina desenha com lágrimas, no vidro do caixão,
O seu amor transfeito em coração...
A alma dos teus, no desamparo,
De que teu pobre irmão se mostra
A mais inequívoca, dolorosa, tradução,
Deslembrando-se sermos todos transientes,
Quando de tua lenta descida, por cordas e polias,
Em demanda daquele inescapável
Embarcadouro da nave de Caronte.
E naquele mesmo dia,
Em minha solitária jornada de retorno
(O trabalho nos convoca, a vida nos reclama!),
Qual sutil aceno desde o excelso céu,
Pela vidraça do ônibus,
Ao crepúsculo do Planalto Central,
Vi um raro arco-íris duplo reluzir.
Lindo como um poema de Cecília,
À qual tanto amavas e tanto
Recitavas em nossas tertúlias juvenis.
Pois é, caro amigo meu:
Por causa de tua ida extemporânea,
Nunca mais vi o pôr-do-sol com os mesmos olhos.
Ouro Preto, 28 de outubro de 2019.
Do livro: Vielas Enoitecidas, a sair pela Jornada Lúcida Editora.
Comentários
Agradecido, cara Editt. É reconfortante saber que o tema vai suscitando empatia.
Abraço,
j. a.
Muito lindo! Parabéns!
Cara Edith:
Fico sensibilizado por suas palavras elogiosas e (ademais) ternas. Como comentei recentemente, não me sinto, pessoalmente, muito bem ao escrever temas pautados na tristeza; mas por vezes se faz necessário; ainda mais em se tratando de uma página de saudade e homenagem a velho amigo desde os bancos do ginásio, que tinha a lealdade como lema (muito antes de ser major, psiquiatra do Corpo de Bombeiros do DF).
Abraço,
j. a.
Tua poesia vem carregada de brilho, de lirismo, de excelente vocabulário.
Aplausos, novamente.
Aplausos ela lindíssima homenagem.
Que teu coração esteja em paz.
Nosso existir é, afinal, coalhado de dias de fruição e dias de consternação. Assim, fica esta pequena homenagem a um velho amigo desde os bancos escolares, que faleceu em janeiro de 2001, em Brasília. Demorei um bocado para gerar essa "elegia" um tanto pelejadinha, como diriam — nos meus dias de meninice — meus conterrâneos, lá dos chapadões causticantes de Goiás.
É sim poeta, a vida é cheia destes dois extremos: dores e alegrias.