Fotograma

Fotograma

 por J. A. Medeiros da Luz

          — O thou Mowgli — for Mowgli the Frog I will call thee — the time will come when thou wilt hunt Shere Khan as he has hunted thee.

              The Jungle Book, por R. Kipling.

    

 Você não se deu conta, amigo,

De ter sido engajado, sem escolhas,

Nesta enlouquecida alcateia dos homens.

E, pelas veredas e chapadões sem fim, em demanda

Das coisas que o mantém a respirar,

Permanece a farejar o ar fino das campinas,

Entre burgos,

Interiorizando emoções confusas.

 

Não há chamado, apelo da selva que o redima.

A comunidade dos lobos queda imersa

No jângal penumbroso,

Sem o mínimo espaço para meninos-lobos

Em seus ninhos aconchegantes de palha, folha seca,

E fibras de talos de helicônia.

 

E se você mirar os céus infinitos,

Naquelas veludosas noites de novilúnio,

Quando o jaguar remanescente ainda vaga,

Há de ver que os outros chapadões galácticos

Encontram-se muito além de nosso alcance.

Muito para além das colunas de Héracles,

Para além da derradeira curva

Do derradeiro córrego, perdido

Em meio às remotas brumas de sua infância.

 

 

Ouro Preto, 25 de julho de 2020.

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • Nessa alcateia dos homens, assim como na dos lobos, a luta pela sobrevivência é constante da vida e determina aonde se vai chegar. Nessa luta, alguns sonhos se realizam, outros caem nos vão dos chapadões da jornada. Cada dia que passa são galáxias que ficam em orbita no passado, o amanhã se constitui, sempre, em algo distante e obscuro, pois como seres perecíveis, apenas o agora é o que, realmente conta.

    Apalusos a ti.

    Bela noite!

     

    • Cara Edith:

      Obrigado pelo belo e pertinente comentário. Realmente (sem renegar nosso passado), devemos atentar mesmo é para o presente, essa membrana de realidade separando dois mundos: um por não mais ser — e o outro por vir a ser. E bem fala você daquelas parcelas de sonhos por fim corporificados e de sonhos despenhados: é o claro-escuro da vida, esta nossa fascinante jornada, embora acabadiça, a bordo dessa bolinha de gude azul e esferoidal. 

      Abraço; j. a.

  • Somente um comentário sobre o "wilt" na citação da fala da Mãe Loba, do Mowgli (ela se expressava, como os demais da alcateia, em inglês menos atual, como o da Bíblia, como se vê com o uso do thou = tu e thee = te). E, segundo o Merriam-Webster: "Definition of wilt (Entry 1 of 3): archaic present tense second-person singular of WILL". Como hoje "to wilt" é usado como "fenecer, fragilizar", julguei conveniente citar o dicionário (pois eu, no meu inglês semi-meia-boca, havia estranhado o "t" no lugar do segundo "l")...

  • Amigos:

    Minha alocação de tempo de relógio em entretenimento atualmente é um tanto limitada, coisa que, até, não me amofina (já que cada instante do existir é precioso); mas num dia desses, calhou de eu assistir ao "Mowgli", no PC. Talvez em ato compensatório inconsciente, resolvi extrair um produto das duas horas que gastei vendo a película, de 1942. Mesclei umas pitadas de vivências pessoais e ficou como aí vai. Julguei prudente inserir, a título de contextualização, a citação do velho Kipling, para elucidar o mecanismo de catálise dos versos, que me pareceram, ao cabo, razoáveis, por poderem se despregar desses cipós da gênese, e abrirem voo mais genérico, inda que mais assemelhado a voejos de besouro que ao planar, pelos páramos sem fronteiras, do condor. Afinal, não julgo isso demeritório, vez que também admiro coleópteros e por eles tenho empatia — decorrência da similitude de escalas.

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