Galinha fantasma

Galinha fantasma (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

 

                Na primeira sexta-feira da quaresma, no sítio de Dona Maria e do Senhor Geraldo, por volta das dezoito horas, a filha mais velha, por nome de Marília, chegou eufórica dizendo para os pais que havia aparecido uma galinha muito grande, bem gorda e que estava rondando o galinheiro.

                Rapidamente, os três foram verificar. A tarde estava ainda quente, mas algumas nuvens de chuva formavam o horizonte negro e riscos de fogo traçavam o horizonte. A estação de verão já pensava em despedir. Em algumas semanas, já era outono e as famosas “chuvas de outono” ainda preparavam terrenos para lavarem todas as péssimas lembranças do carnaval.

                De fato, a galinha estava procurando alguma brecha para entrar no galinheiro já fechado. Não foi difícil, mas com a experiência de Geraldo, ela foi apanhada em poucos segundos. Não gritava conforme outras da espécie, mas agitava-se a ponto de sair das mãos fortes do patriarca da família. Tentou ele mais uma vez, porém foi um pouco mais difícil agarrá-la, mas outra vez conseguiu segurá-la com mais força. Disse ele que era para abrigá-la debaixo do grande picuá localizado dentro da casinha do forno, pois não sabia de onde ela tinha vindo. Poderia ela estar doente ou pertencer a algum vizinho. Assim o fizeram. A grande penosa foi guardada debaixo do balaio e a menina e seu pai puseram algumas pedras para que o abrigo não caísse pelo chão batido de terra vermelha.

                O vento soprava com mais intensidade. Parecia que a chuva viria a poucos instantes. Porém, já abrigados dentro da cozinha, bebendo café e comendo pão de queijo, Marília olhou pela janela e viu novamente a galinha rodopiando o galinheiro. Chamou novamente pelo pai e os dois foram até a casinha do forno. Assustaram, mas verificaram que o balaio estava do mesmo jeito que eles o deixaram. Não estava caído e as mesmas pedras estavam sobre eles.

                Novamente, os dois foram lá. Pegaram novamente a galinha e a colocaram mais uma vez no mesmo lugar. Foram embora. Os pingos de chuva foram caindo e choveu forte. Relâmpagos e trovões enfeitavam a tarde escura.

                Geraldo abre a janela e vê que a galinha continua perto do galinheiro. Queria entrar de qualquer maneira. Falou para a filha e lá se foi ele. Vestido com a capa de chuva, apanhou novamente a galinha. O estranho é que o balaio continuava do mesmo jeito. Não tinha nenhum buraco onde a ave pudesse passar. A casinha era coberta e ao redor cercada com bambus fincados no chão. Não tinha passagem para nada. Há alguns dias, dormiu lá um casal de porcos. Ficou lá por dois dias até que o chiqueiro fosse retocado. Muito estranho, pensava o pai.

                A noite permanecia caminhando para a madrugada. A chuva ia e voltava. De vez em quando, alguém da família olhava e mais uma vez a galinha estava perto do galinheiro. Pegavam-na e estava o balaio do mesmo jeito. Muito estranho, pensava o chefe da família.

                Quando foi por volta da meia noite, Geraldo foi buscar a galinha e seria a última vez, no pensamento dele. Assim que a pegou, seus braços não moviam. A massa da ave estava insuportável, parecia peso de toneladas. Ele não aguentou. Quis correr, mas os pés se embaralharam na capa e ele foi ao chão. Tentava levantar-se, porém, não tinha forças suficientes. Começou a gritar, todavia a voz não saia. A galinha foi aproximando dele. Não era mais uma pequena ave, contudo se transformava em algo muito grande. O bico se transformava em um sugador potente e parecia que Geraldo estava sendo tragado para dentro daquele longo duto. Tudo estava errado naquele local. No galinheiro, nenhuma galinha gritava e a mudez era geral. Aquele monstro estava devorando o pai. Ele não tinha nenhuma alternativa a não ser rezar. Lembrou que dentro do bolso havia o terço ganho pela mãe. Ele, com grande dificuldade o pegou e o colocou sobre o rosto. Assim, deu-se grande redemoinho e o forte clarão tomou todo o terreiro. Ouviram-se imenso estrondo, não era do trovão, mas algo que evadiu rapidamente.

                Então, Geraldo se recompôs. Levantou-se. Caminhando em passos lentos, teve força para ir à casinha. Lá, a surpresa foi grande, pois o picuá estava todo arrebentado e com marcas de sangue. Entrou para dentro de casa e contou para a esposa e para a filha.

                Amanheceu e novamente Geraldo foi à casinha. Lá não viu mais nada, nem mesmo o grande balaio. Viu, porém, cinzas negras e poeira dos tijolos.

 

 

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José Carlos de Bom Sucesso

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