Holmes e Drummond
Por J. A. Medeiros da Luz
“Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra” — C. Drummond de Andrade.
Eis que Holmes desvenda Drummond:
Aquela pedra um tanto pertinaz,
Atravancando a passagem no caminho,
Era como que elementar antecedente
(Mas não causa) daquela alegada
Derrapada dele, à beira dos cinquenta...
Embora, certa feita, no escrever dele,
O “elemento feminino da casa”
Tenha se esgueirado, um tanto espavorido,
Com uns tropeços de reforma
(Alvanéis são mensageiros da ordem e do caos),
Na verdade, terá tal elemento, a quem
Garbosamente fez mil juras, no passado
— Oh, e sempre essa entropia, a inflar-se,
A agigantar-se no palco dos humanos! —,
Com o fenecer da chama dos desejos
(Tendo sido expurgadas todas — menos uma —
Das hipóteses plausíveis),
Terá se transmutado, súbito,
Como nas velhas lendas bíblicas e gregas,
Em pedrouço no caminho...
Magicamente assomando
— Um tanto elementar, meu caro! —
Como aquela pedra no meio do caminho,
Aquela pedra no caminho,
A dificultar qualquer derrapada,
No meio do caminho,
Enquanto a oquidão das palavras vai,
Nos tímpanos aturdidos do poeta,
Ecoando, ecoando, ecoando,
À borda do precipício.
E temos dito.
Ouro Preto, 21 de novembro de 2020.
Comentários
Cara Angélica: agradecido pela gentileza do cartão assim carinhoso. Abraço; j. a .
Lindíssima obra!
Meus aplausos a ti pela marvailha de leitura.
Parabéns!
Cara Edith:
Obrigado pela amabilidade das palavras. Que meu arroubo interpretativo não macule o eventual mérito dos versos, que é o que deve ser avaliado, e não sua precisão factual. A ficção permite interpretações de coisas que — se não tiverem o "status" de formalmente acontecidas — podem vestir a roupagem da plausibilidade. E, diríamos, a poesia é essencialmente o fruto agridoce dos sentires...
Só para constar, as agruras da reforma (a rigor, uma renovação da pintura) sofridas pelo nosso personagem (constante no livro: "A bolsa & a vida") pode ser inferida deste trechinho da seguinte crônica do C. D. A.: "Pinte sua casa" (1956).
"(...) A casa se transformou imediatamente, por um simples deslocamento de coisas: moradores e objetos eram os mesmos, porém a relação entre eles fora subvertida. Eu não reconhecia minha vida; minha vida estava fora de mim. A rotina dos passos era a que mais sofria, porque eles levavam agora a metas erradas, e nos aborrecemos quando somos traídos pelo hábito. Esbarramos em móveis evidentes e não ousamos atravessar espaços vazios, que há pouco estavam ocupados.
O elemento feminino da casa fugiu assustado: os móveis foram feitos muito mais para as mulheres do que para os homens, e se elas não podem exercer domínio sobre essas formas familiares, preferem visitar parentes mil. A casa ficou entregue à pintura. O resto, para depois. (...)"
Parece de uma impessoalidade gélida, nesse caso, a expressão: "o elemento feminino da casa".
Quanto às "derrapadas", reportemo-nos à ocorrência mais explícita: https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1918367
Mas — para demérito meu, como dublê de investigador — o poema da pedra no caminho é bem anterior ao affaire Lygia e ao famoso verso: “Na curva perigosa dos cinquenta/ derrapei nesse amor”... Mas afinal, nada impede que possamos imaginar ensaio de derrapada bem mais precoce, não? Enfim, exercícios ficcionais, algo fantasiosos, de quem não tem o que fazer, minha cara!
Abraço,
j. a.