Karábia

Karábia

J. A. Medeiros da Luz

"Navigare necesse, vivere non est necesse" — Cneu Pompeu Magno

 

Ó vós que haveis de ler

Estes assentamentos em nanquim

No diário de bordo que mantenho

Adicto às verdades extraídas

De uns astrolábios, giroscópios, bússolas:

 

Cá do alto, do cesto desta gávea,

Desde meu bergantim fantasmagórico,

Olhos fartos de tantas latitudes

Jogam sua tarrafa de mil fótons;

Contabilizo o meu cardume náutico.

 

Quatro dúzias de igaras, mais pirogas,

Vinte e dois brigues e dez caravelas,

Doze catamarãs e vinte iates,

Oitenta e um saveiros, cem bateiras,

Quatorze submarinos (que os vejo

Pela esteira que deixa um periscópio),

Mais de duzentos juncos e falucas,

Cinco vapores, bando de chalupas,

Dezoito belonaves, couraçados,

Dezessete caiaques, escaleres.

E duzentos e vinte seis ioles.

 

Vamos todos, assim febricitantes,

Por este furibundo Mar do Oblívio,

A ir por vendavais e calmarias,

Remando em rota rumo a nossa Roma:

A esquivadiça ilha da esperança,

Onde enfim nos aguarda a barcaça

Do incansável marujo, velho embora,

O limoso batel do deus Caronte.

 

 

Ouro Preto, 5 de julho de 2022.

[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]

 

 

 

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • This reply was deleted.
    • Obrigado pela visita cara Margarida.

      Sempre achei fascinante a variabilidade das embarcações humanas, além da inventividade nelas embutidas, invenções fantásticas (como assim a do arco e flecha!). Como eu já disse, meu finado pai, nos anos de juventude e na meia-idade, gostava de construir canoas; provavelmente influenciado pela origem açoriana (ramo paterno) e pela proximidade do mar: no município de Palhoça (hoje conurbado com Florianópolis), o rio Passa-Vinte flui por onde era os fundos da chácara de meu avô, antes de desembocar na Baía de Palhoça.

      As lembranças infantis da navegação desse trechinho de rio (nas esperadas férias, quando vinha de Goiás), misturam a magia de deslizar à força de remo pela superfície líquida com a torturante sequência de ferroadas de mutucas no pescoço, dorso, braços e pernas — em especial quando chegávamos no mangue. 

      Abraço; j. a.

       

  • Um poema encantador... Parabéns,J.A.

    • Dileta camarada Márcia:

      Sempre a nos brindar com sua visita incentivadora. E eu, no quesito assiduidade aqui no nosso cais virtual, sempre a dever, mercê de umas atribulaçõezinhas de somenos, afinal.

      Abraço deste marujo, que vem lançando a tarrafa da existência nesses açudes enigmáticos e asserenados dos baixios e talvegues destas acidentadas Alterosas.

      j. a.

       

  • Belíssimo Poema com um rebuscado vocabulário diria náutico, recorri ao dicionário, para melhor compreender o tema de vosso texto ligado com poética ligada ao mar e embarcações de todos os tipos.Seus barcos estão muito bem em suas poesias 

    Tenha amigo este humilde comentário.

    Gostei e pronto.

    Vossa explanação sobre seu poema muito nos ajuda a compreender as razões de sua escrita e sonhos de vida

    Parabéns amigo JAM da Luz 

    Sou neto de portugueses da Ilha da Madeira que vieram como imigrantes para o Brasil na década de 30

    Abraços de Antonio 

     

     

    • Caro Domingos Ferreira Filho:

      Obrigado pela visita e palavras generosas.
      De fato fiz uso daquela velha imagem de que somos pequenas jangadas mourejando com resiliência no mar da existência.
      E, nessa linha, é muito instigante a frase de que "navegar é preciso, viver não é preciso" como se fossem conceitos antagônicos e não imbricados...
      Os tupis-guaranis foram felizes no designar córregos e mananciais de "igarapés" vocábulo que significa "caminhos das igaras", ou seja: fundiram o substrato onde se dá a caminhada com o veículo transportador. De fato, cogitando um tanto, vemos que as águas e os remadores constituem, ao fim e ao cabo, um só sistema.

      E como nós, brasileiros, somos, afinal, decorrência parcial da audácia lusitana, o fascínio do mar frequentemente nos captura, mesmo quedando, como eu —bagre velho amoitado em locas de barranco de córrego, protegidas por touceiras de canarana e palmas-de-são-josé —, bem longe do litoral.

      Abraço;
      j. a.

  • Quem, em criança, não sonhou ser bombeiro, astronauta, marinheiro? Talvez esse inóculo infantil implantado no subconsciente foi a centelha secreta que me induziu a secretar a ideia deste poema, cristalizada aí pela madrugada de insônia, quando o bando buliçoso dos pensamentos nos voeja sobre o leito, feito mariposas à volta da lamparina, nos velhos tempos. Sem contar o ímpeto histórico ancestral da marinhagem (denunciado, já se vê, pelo sobrenome emigrado dos Açores).

    O título, um tanto estranho, é o plural de navio em grego, uma das origens alegadas da palavra "caravela"; pelo menos foneticamente, tal gênese é muitíssimo defensável. Aproveitei, ademais, para dar um quê filosófico a essa alusão da vida, a citação do general romano Pompeu (inclemente como todo militar da antiga Roma). Frase que fez sua jornada, ampliado seu contexto para além da crueza estoica militar, até os versos de Petrarca e, mais tarde, até os daquele nosso Fernando Pessoa.

    Como não pude — por imperícia e por inércia — construir barcos, contrariamente a meu finado pai (que os construía por deleite), restou-me — que consolo! — um poema coalhado de embarcações ao mar...

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CPP