Koko & All Ball (elegia a um primata não-humano)

Koko & All Ball

— J. A. Medeiros da Luz

 

E vieram lhe contar, minha cara irmã,

Que o seu gatinho,  em se extraviando,

Havia sido pisoteado por pneus;

Se o Todo Bola era de pelos aveludados, fofos,

Foi planificado, e o sangue, coagulando-se,

Fez da esfera peluda uma prancha inerte.

 

E vieram lhe contar, irmã,

Que a vida não é desfinita;

E cedo ou tarde há de se transmudar

Em vapores, éter, rememorações.

A amizade permanece, enquanto formos.

O amigo, por seu turno, transcende,

Vai em demanda de guloseimas, irmã,

Para além das trilhas ignotas de África,

Para além da linha do horizonte.

 

Irmã do Jota, minha pobre Koko,

Ponha-se alegre novamente!

Afaste de seus olhos as névoas da amargura,

Espaneje, da testa, as rugas de desolação.

Lembre-se, irmã, que o passado fica

Como colorido móbile, oscilante,

Sobre nossas cabeças, alegrando-nos,

Avivando a doçura das recordações,

Quando a brisa vem nos afagar,

Antevendo que estamos a carecer

De abraços dos amigos idos.

 

Você sabe bem:

Que as borboletas encherão sempre

Os jardins na estação certa;

Que o sol há de nos acalentar

Nos dias frígidos;

Que novos amigos se farão,

E que a dulcíssima lembrança

Dos que se foram se eterniza,

Até que nós mesmos partamos,

A buscar guloseimas

Para além da linha do horizonte.

 

Veja — neste exato agora —:

Ali voeja, voeja breve, um colibri

De dorso furta-cor e lindo.

Sorria, irmã, pois se você

Bem sabe falar, nos seus sinais,

Por certo há de saber sorrir...

 

Ouro Preto, 12 de fevereiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@gmail.com © J. A. M. Luz]

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • 10099577885?profile=RESIZE_710x

    • Agradecido pela empatia, amiga Márcia. 

      Quando um ser adquire consciência da finitude, por um lado, salta na escala universal, um salto na compreensão do universo; por outro, em contrapartida, sua alma se abisma na inexorabilidade desta descoberta. É o preço que pagamos, e temos que lidar com isso. Esse é o drama apresentado à pobre Koko, e que senti no instante em que li a matéria do jornal, lá por um já nebuloso 1986.

      Abraço; j. a.

  • Pois é, Amigos:

    E, fuçando gavetas repletas de amarelados papéis (meu banco de dropes sentimentais), já com a transformação química (a quase meio caminho) da celulose para dextrose e (depois) glucose, eis que se encontram uns arremedos de versos, como que ejetados avulsamente dos circuitos da emoção.  Assim, acabando por me munir de avental alvo, gorro, luvas e escalpelo, anatomista de almas que todos arvoramos ser, eis que encontro uma pendência de decênios, que à época (e ainda agora) me emocionou; e é sobre isso que falo agora:

    Koko (1971–2018), primata não-humana, californiana e sendo-lhe a África ignota, foi (tanto quanto eu saiba) a primeira gorila a dominar ativamente uma língua de sinais. Quando lhe contaram que seu gato de estimação havia morrido (dezembro de 1985), atropelado, ela externou penalização, demostrando compreender o que significava a morte, até mesmo com vocalizações interpretadas como choro. É a constatação da morte, como hoje sabemos também ocorrer com elefantes e golfinhos. E isso, à época, me fez ver, ostensivamente, o quanto estamos irmanados aos viventes deste planeta. Deliberei conceber um poemeto, uma elegia a um primata não-humano, sobre esse doloroso tema. Promessa cumprida, trinta e muitos anos depois.

     

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