No Caminhão Baú
Lá vai pela estrada de terra sem fim, pairando no ar a poeira seca e toxicante; sufocante, e, por trechos enlameados; carreados, e escorregadios; arredios, ora retas de não se ver o fim, ora por curvas tortas; mortas, e, muitas, sem a visão do final deste túnel.
O caminhão é um Baú, com as portas traseiras trancadas por cadeados surrados; esmurrados, e, enferrujados; engasgados, até que por fim as portas se abrem, e o condutor anônimo nem se dá conta, e objetos caem aos poucos na estrada deixando um rastro do caminho; sem ninho.
Estrada com poucos trechos reparados; costados , e, com pedras nos buracos, e os pneus corroídos, gastos, decepcionados, rodam com dor, e algumas pedras saltam em malabarismos; casuísmos, e, sem rumo e naquele vazio de floresta baixas atingem insetos inocentes; picantes.
Dentro do Baú segue uma mudança de poucos móveis velhos; evangelhos, e, um destino sem destino, em desesperanças; crianças ,e , almas perambulando nos balanços da carroceria; porcaria, e, na sonolência; indecência, e, mórbida; sórdida; e, os sonhos exalam odores de suor e mofo cafofo, e, o caminhão segue sofrido; ardido, e, sem rumo. Um calor escaldante; estonteante; torturante, e, de uma morbidez acintosa a dignidade humana de ser.
Lá vai uns migrantes a procura de uma nova cidade sem lei.
Que cidade?
A primeira que vier, que se pode ver, que tem casas, barracos e ruas e vielas: velas, ao ar, ao vento, como um navegante em alto mar sem bússola.
O caminhão Baú segue nas expectativas esperançosas das desesperanças de milhares de brasileiros invisíveis; fusíveis, e, com o céu de cor de anil neste Brasil, quase, varonil.
FIM
Antonio Domingos
18 de agosto de 2019
Comentários
O relato é a cara de muitos brasileiros que se aventuram para as cidades mais desenvolvidas em busca dos sonhos. Que texto maravilhoso!
Meus aplausos!
Destacado!
Obrigado amiga pela leitura e proveitoso comentário.Grato pelo destaque. Feliz.
abraços poéticos de Antonio
Obrigado prezada Margarida pela leitura e comentário.
ADomingos