Novos Contos de Natal 2019 – 3
A Descoberta
Matilde, cansada como andava, não só pela excitação provocada pelas novas histórias do avô Martinho, como também pela curiosidade em saber no que consistia o grande segredo resultante da inesperada visita de Hoss, do Bonanza ao seu avô, mas ainda, principalmente isso, pelas duas noites anteriores, uma das quais sem conseguir dormir, decidiu aproveitar o frio que se fazia sentir hoje de manhã, para se deixar ficar deitada até mais tarde.
Quando, finalmente, se decidiu levantar e descer até ao piso inferior, constatou que o avô não estava em casa, pelo que só lhe restava esperar pela sua chegada:
- Avô, por onde tens andado?
- Ora minha netinha, nem toda a gente se pode dar ao luxo de ficar na cama até quase ao meio-dia. Mas fizeste muito bem, está um dia muito frio. Amanhã, de acordo com o homem do tempo, ainda vai estar mais frio, por isso, é melhor que te deixes ficar no quentinho da cama.
- Pois sim, mas não penses que é por ter ficado até mais tarde na cama, que te escapas de me contar o teu segredo de Natal. Ontem acabei por adormecer sem mo mostrares, mas hoje já não vai ser assim.
- Está bem, depois do jantar, prometo-te que te mostro esse meu segredo.
- Ah, depois do jantar, eu conheço-te muito bem, queres é ver se me adormeces sem mo mostrares, se é que tens mesmo algum segredo com esse teu amigo americano.
Assim que acabaram de jantar e após ajudar Bela, a sua avó nova, a arrumar a cozinha, a pequenita veio logo a correr para o colo do avô:
- Pronto, já me podes falar do teu segredo.
- Está bem, prometi e vou cumprir, mas primeiro deixa-me pôr um outro filme do Bonanza a passar.
O filme foi rodando e o avô não parecia disposto a cumprir o prometido:
- Avô, estamos no mês do Natal, é muito feio mentir às crianças.
- Eu não te menti, estou a cumprir com o prometido, a mostrar-te a prenda que o Hoss me trouxe da América.
- Oh avô, não estou a perceber nada do que me estás a dizer.
Foi então que a avó nova decidiu meter-se na conversa:
- Matilde, olha bem para o filme e para onde o avô está sentado.
- Ah, já percebi tudo. O teu amigo Hoss ofereceu-te o cadeirão onde o pai dele se costumava sentar, verdade?
- Sim senhor, estou a ver que tenho uma neta muito inteligente.
- Avô, foi mesmo o teu amigo que te ofereceu este cadeirão, ou foste tu que o fizeste? Sim, que sei, muito bem, como és habilidoso.
- Não, que é lá isso? Achas mesmo que eu era capaz de fazer uma obra de arte como esta?
- Acho. Mas deixa lá, mesmo que tenhas sido tu a fazê-lo, também faz parte da tua história. Porque é que ele te ofereceu o cadeirão que era do pai dele?
- Porque o amigo do meu pai, aquele que vivia lá na América e que lhe falou de mim, lhe disse que eu gostava muito de imitar o pai dele a sentar-se neste cadeirão.
- Ah, estou a perceber tudo. Só o conheceste a ele?
- Não. Quando fui lá à América, conheci a família toda.
- Avó Bela, o avô já foi à América?
- Não sei, ele já correu meio mundo.
- Claro que fui, ainda tenho o bilhete, religiosamente guardado. Olha, até te vou contar mais, quando fui ao rancho dele, a Ponderosa, o irmão dele, o Joe, aquele do cavalo malhado de preto e branco, convidou-me para participar num concurso de tiro, ora como eu era o melhor a atirar com a fisga, ganhei o concurso.
- Sério, avô?
- Sério. O Joe ficou tão impressionado com a minha pontaria que até fez questão de me apresentar a um grande amigo dele, o Robin dos Bosques. Já ouviste falar dele?
- Não, quem é?
- É um primo afastado do Zé do Telhado.
- Zé do telhado! Nunca ouvi falar de ninguém com esse nome.
- Está bem, amanhã te contarei a história deles.
Matilde, embalada nas histórias do avô Martinho, deixava-se vencer pelo sono e já sonhava com o avô Martinho a atirar fisgadas contra os pratos para espanto dos familiares e amigos de Hoss, enquanto o dono do rancho Ponderosa ia construindo o cadeirão onde agora, ela, dorme ao colo do avô.
Francis D’Homem Martinho
03/12/2019
Comentários