Novos Contos de Natal da Matilde -12

 

Coração de Criança

 

 

Muito bem, menina Matilde, agora que já decidiste qual a prenda que vais dar à Bela, é bom que também te decidas quanto à tua.

Matilde já adivinhava que o avô não ia perder aquela oportunidade, pois há já vários dias que vem dizendo que o prazo para o Pai Natal receber as cartas, estava encerrado. O problema é que ela é uma criança que nunca quer brinquedo, seja pelo aniversário, pelo Natal ou por outra data qualquer. Sempre que alguém lhe pergunta o que quer de prenda, responde que só quer roupa.

Esta postura de desinteresse por brinquedos, não só preocupa a mãe, como também toda a restante família, avô incluído, assim como os amigos mais chegados, não por temerem que possa ser uma criança infeliz, antes pelo contrário, sempre de sorriso fácil e, pelo menos aparentemente, feliz, mas sim pela dificuldade que isso provoca na escolha de prendas para lhe darem.

Quando ela era mais pequena, ainda foram acreditando que aquilo passaria, mas os anos foram passando sem que a atitude da menina se alterasse. perguntem-lhe o que deseja como prenda e a resposta vem logo de imediato, roupa, pelo que a resposta da neta, o apanha completamente de surpresa:

- Muito bem, avô, quero coisas para a escola.

O avô, sem conseguir esconder todo o seu espanto, tenta encontrar uma saída para tão delicado momento, onde é que já se vira uma criança, em vez de pedir brinquedos pelo Natal, pedir coisas para a escola, se até conseguia perceber a sua preferência por roupa, agora por esta é que não esperava mesmo nada.

- Só isso?

- Não. Também quero uma boneca.

- Uma boneca! Ouvi mesmo bem, Matilde, tu queres uma boneca?

- Sim, mas não precisa ser uma boneca cara. Ah, e se puder ser, também gostava de receber aqueles sapatos que estive a ver lá naquela sapataria ao pé da casa da madrinha. Ainda te lembras quais eram Bela?

- Sim. É claro que lembro.

Matilde, ao ver a cara de espanto, principalmente do avô, apresta-se a esclarecer:

- Escusas de estar com essa cara. Eu não mudei de ideias. O que se passa é que nos anos anteriores, a minha mãe não tinha trabalho, pelo que o dinheiro fazia falta para outras coisas. Se eu te pedisse brinquedos, era a minha mãe quem tinha de arranjar dinheiro para me comprar as roupas e as coisas da escola, assim, se vocês me dessem isso, já ela não precisava de se preocupar tanto.

- Está bem, meu anjo. E quanto aos sapatos? Tu nunca pediste calçado.

- Pois não, eu fazia os possíveis para não estragar aqueles que tinha, como só posso calçar um par de cada vez, para que ia querer muitos?

- Então e agora?

- Agora! Agora apetece-me ter outro par de sapatos.

Nessa noite, ao passar pelo quarto da neta, o avô ouviu-a a falar sozinha, entreabriu a porta de modo a não se fazer ouvir e ficou espantado com o que ouviu:

 

“Obrigado meu Deus, por teres arranjado trabalho para a minha mãe, assim já me posso dar ao luxo de lhe pedir mais um par de sapatos.”

 

O avô, tal como entreabrira a porta do quarto da neta, voltou a fechá-la, pensando para consigo: “Como o mundo seria muito melhor se os adultos se deixassem de avarezas e seguissem os exemplos que um coração de criança nos pode mostrar, principalmente nestes momentos em que as tentações espreitam em qualquer montra de Natal.”

 

Francis D’Homem Martinho

 

12/12/2019

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