Novos Contos de Natal da Matilde 2019

 

18 - O Despertador de Natal

 

Assim que acabaram de jantar, Bela disse a Matilde que fosse para junto do avô, pois estava muito frio e logo arrumariam a cozinha no dia seguinte, era o que a pequenita mais desejava ouvir:

- Avô, conta-me a minha história que quero ir para o quentinho da minha cama ficar a ouvir a chuva a bater no telhado.

- Acho muito bem, hoje também não me vou fazer velho por aqui.

- Oh avô, velho já tu és. Velho não, que velhos são os trapos, és velhinho.

- Tu sabes é muito. Vamos lá.

 

Matilde andava curiosa por saber o que é que os pais lhe iriam oferecer pelo Natal. A menina sempre recebera boas prendas, mas agora, a situação era diferente dos anos anteriores, o pai perdera o emprego de muitos anos e, ainda, não conseguira arranjar outro.

Alguns dias antes do dia de Natal, escutara uma conversa entre os pais e, apesar da sua tenra idade, percebera que eles não tinham dinheiro para grandes prendas. Ouvira a mãe dizer que se não fosse o seu miserável ordenado, até fome passariam. O pai manifestara a sua tristeza, mais por não poder continuar a garantir a boa vida que sempre lhes proporcionara, que por qualquer outra razão, inclusive por não poder dar um Natal cheio de prendas à filha, como sempre fora costume.

Matilde sentiu-se na tentação de ir dizer aos pais que não queria que eles se preocupassem em comprar-lhe prendas, mas tinha medo que isso os deixasse ainda mais tristes, pois ficariam a saber que ele sabia toda a verdade sobre a verdadeira situação da família. Confiou no bom senso do pai, tinha a certeza que ele arranjaria maneira de lhe arranjar uma prenda sem gastar muito dinheiro.

Na noite de Natal, Matilde, fingindo não saber de nada, dava mostras da mesma curiosidade que costumava ter nos anos anteriores. A verdade é que ela estava mesmo curiosa, não pela prenda em si, mas para ver até onde ia a imaginação dos pais. Eram dez para a meia-noite quando pediu ao pai que a deixasse começar a abrir as prendas. Havia quatro na árvore de Natal, como era costume, duas para ele, uma para a mãe e outra para o pai. Estranhou, mas não disse nada.

Desembrulhou a mais pequena, um livro de histórias, visto não gostar de receber brinquedos. Aguardou que a mãe desembrulhasse a dela, era sempre assim. Seguiu-se o pai e só então chegou a vez de desembrulhar a grande. A curiosidade não era exclusiva da pequenita, também a mãe sentia um certo formigueiro. Se por um lado temia que o marido não tivesse resistido e tivesse feito alguma loucura, por outro confiava no bom senso daquele com quem decidira partilhar a vida.

Matilde rasgou o papel que revestia a caixa, abriu-a e deu de caras com um enorme despertador. Esboçou um sorriso, embora não compreendesse bem o significado daquela prenda. A mãe, parecendo partilhar do espanto da filha, olhou para o marido com um ar interrogador:

- Filha, os pais têm andado a passar por algumas dificuldades, assim, resolvi aproveitar os meus conhecimentos de electrónica e construí esse despertador para ti. Não é um despertador normal, antes pelo contrário, foi feito a pensar em ti.

Matilde olhou para a mãe, correram ambas ao encontro do pai e trocaram o abraço mais apertado que já alguma vez tinham trocado em Natais anteriores.

Os dias passaram, Matilde nem mais se lembrou do despertador, até que chegou o dia de regresso às aulas. Na noite anterior, como era costume, foi ajustar o despertador que tinha sobre a mesa de cabeceira, para a hora desejada. Só nesse momento se recordou da prenda do pai, foi buscar o grande despertador, acertou as horas e programou o despertar.

Matilde pensou estar a sonhar, alguém a chamava, carinhosamente, pelo seu nome, ao mesmo tempo que entoava uma das canções que mais adorava. Esfregou os olhos, olhou em redor e não viu ninguém. Que sonho mais esquisito. Preparava-se para voltar ao sono, quando tudo recomeçou. Oh não. Concentrou-se e apercebeu-se que o som saía do seu novo despertador. Compreendeu tudo, estava na hora de levantar.

Desde esse dia, nunca mais chegou atrasado à escola. Chegou mesmo a colocar o despertador a tocar mais cedo só para poder ficar a ouvir as suas canções favoritas, pois a cada toque, soava uma canção diferente.

Matilde ria-se, como os pais nunca a tinham visto rir, quando eles se vinham deitar na cama da filha e, ali, ficavam os três a ouvir as belas canções saídas do despertador.

 

Moral: “Tudo que é feito com amor, acaba por florescer mais cedo ou mais tarde”

 

Francis D’Homem Martinho

18/12/2019

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