O Guitarrista e a Fadista Matilde

Novos contos de Natal da Matilde – 2019

 

04 – O guitarrista e a Fadista

 

Matilde passou o dia numa grande luta para conseguir resistir à tentação de perguntar a Bela, a avó nova, quem era o tal do Zé do Telhado de que o avô lhe falara na véspera, pois se de Robin dos Bosques já ouvira falar, deste seu primo, segundo o avô, é que não se lembra nada de alguma vez ter ouvido seja o que for.

Só o facto de gostar tanto da histórias do avô Martinho é que a impede de procurar satisfazer toda a sua curiosidade, mesmo sabendo que o avô é bem capaz de inventar uma história completamente diferente da realidade, mas isso é algo que pouco lhe importa, pois as histórias servem para isso mesmo, para embelezar a vida de cada um de nós.

Uma das coisas que o avô lhe disse e que ela já desconfia que seja invenção dele, é o facto desse tal Zé do Telhado ser primo do Robin dos Bosques:

- Olá avô, então, vens muito cansado?

- Por acaso até venho, só me apetece é sentar e descansar.

- Boa. Anda daí que o teu cadeirão te espera. Eu vou ajudar a Bela a arranjar o jantar.

O avô sabe, muito bem, o que a pequenita quer, ou não a conhecesse como conhece. Quer é dar-lhe tempo para ele poder montar a história do Zé do Telhado e do Robin dos Bosques. Que grande sarilho, ele, foi arranjar.

- Bem avô, agora que já descansaste e já ajudei a Bela a arrumar a cozinha, está na hora da nossa história, até porque está tanto frio que só me apetece é sentar-se bem ao pé da lareira. Conta-me lá, quem era esse Zé do Telhado? Ele era mesmo primo do Robin dos Bosques?

- Claro que era. Aliás, foi o próprio Robin dos Bosques, quando me viu lá na Ponderosa e soube que eu era português, que me perguntou se eu conhecia o primo dele.

- E tu conhecias?

- Claro que conhecia. Morávamos mesmo porta com porta, ali no Pátio das Cantigas.

- Avô, tu moraste no pátio das cantigas?

- Então não morei. Se tu visses o reboliço que aquilo era por causa do Zé do Telhado, ele passava a vida a roubar o vinho ao Evaristo, não era para beber, mas sim para dar aos pobres lá do bairro.

- Avô, quem era sesse Evaristo?

- Olha minha netinha, era um pobre homem, chamavam-lhe o pai tirano, mas ele, coitado, não fazia mal a ninguém. Vê tu que ele até sabia que o Zé do Telhado o roubava, mas fingia que não sabia. Claro que fazia aquilo tudo por causa do grande amor que tinha pela Menina da Rádio.

- Avô, esse tal de Evaristo, gostava da menina da rádio?

- Oh, se gostava. Aquilo era um amor digno de se ver, de se ver e de se ouvir.

- Ouvir!

- Sim. Foi por causa desse seu grande amor, que ele escreveu a canção de Lisboa.

- Como se chamava essa tal de menina da rádio?

- Ora como se chamava, era a Maria Lisboa.

- Bem, isto já está para aqui uma grande confusão. Explica-me, lá bem quem era o Zé do Telhado e como é que ele era primo do Robin dos Bosques.

 - Não há confusão nenhuma. O Zé do Telhado era um dos maiores guitarristas cá da terra, o que ele mais gostava era de andar pelo Bairro Alto a acompanhar as fadistas vadias que por lá apareciam sem quem as acompanhasse à guitarra e à viola.

- Oh avô, as fadistas eram vadias!

- Vadias é uma forma de dizer, chamavam-se assim por cantarem o fado dito vadio, aquele que andava na boca do povo.

- Está bem, mas o que é que isso tem a ver com o Robin dos Bosques?

- Então, certo dia, estava o Zé do Telhado a acompanhar uma fadista, quando apareceu uma Inglesa muito bonita, a mulher estava encantada com o guitarrista, dali até ao casamento não demorou muito. Era uma prima do Robin dos Bosques. Quem não gostou muito, foi o antigo namorado dela.

- Ela tinha um namorado? E trocou-o pelo Zé do Telhado?

- Sim. Ela namorava com o Tarzam, mas como ele passava os dias a treinar natação, ela resolveu treinar com o Português.

- Eles foram felizes?

- Não. O casamento durou pouco. O Zé do Telhado, no próprio dia do casamento, em conjunto com o Robin dos Bosques, roubou as joias todas dos convidados e distribuíram-nas pelos mais pobres.

- Avô! No próprio casamento deles?

- É verdade.

 Matilde, já não se entendendo com tamanha confusão, vê-se a sonhar com um bonito rapazinho que lhe parece ser o Marco, um seu vizinho, o qual toca guitarra enquanto ela canta um fado com letra de Natal. Se já estava confusa, ainda mais confusa fica, pois nem sequer sabia que sabia cantar o fado, ainda para mais com música de Natal.

Matilde não é a única a dormir junto à lareia, o avô Martinho acompanha-a no sono e nos sonhos.

 

Francis D’Homem Martinho

04/12/2019

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