No meu bairro….
Saíamos para a rua.
Invadíamos a aldeia.
A algibeira ia nua.
Mas a inocência cheia.
Caiamos da bicicleta.
Havia joelhos rasgados.
Cortávamos a meta.
Em carros improvisados
A roupa não tinha marca.
Sujava-se de ousadia
Umas vezes era farta.
Por vezes não nos cabia.
Bolas de sabão subiam.
Aos céus com ambição.
Bolas de panos gemiam.
Em pés descalços no chão.
Com berlindes coloridos.
Encurtava-se a distância.
Fazíamos desconhecidos.
Amigos da nossa infância.
O rodopiar de um pião.
A nossa atenção prendia
Com toda a imaginação.
Que a humildade sentia.
De noite soava o grito.
De serenatas marcadas.
O amor era manuscrito.
Em cartas desesperadas.
Os olhos tinham fome
De encontrar um coração.
Cada rosto tinha nome.
Em cada corpo um irmão
A criança tinha direito
A ser do mundo a alegria
Os jovens tinham respeito
Os velhos sabedoria.
A memoria resultava.
De tudo o que vivia.
Quem no mar arriscava.
Enfrentar a maresia.
O meu bairro era um bairro comum….
A leiteira trazia o despertar
O padeiro vendia fiado
O amolador passava a apitar
E o carpinteiro vivia ao lado
O sinaleiro era homem sensato
O ardina com as notícias voava
Os engraxadores entendiam o sapato
E o Tanoeiro boa colheita esperava
A varina vendia o mar
O talhante dominava o seu fado
O polícia parava para falar
E o professor era respeitado
A todos sua importância
Com todos eles cresci
Foi deles a minha infância
Sou deles o que aprendi
Mas o meu bairro mudou…
A palavra é impossível.
A rua tem gente muda.
Todo corpo é invisível
Toda a alma vai nua
Já não se partilha nada
A não ser o egoísmo
A inocência é arrastada
No vento do pessimismo
Social era quem se perdia
No meio da multidão
Agora é virtual ousadia
Feita por subscrição
O pião já não magoa
A palma de qualquer mão
Tecnologia é agora à proa
De barcos de escravidão
As conversas são em frente
A máquinas sem vida
Onde todo o cobarde é gente
E a humildade esquecida.
A ignorância fala sem medo
De todo assunto é juiz
Guarda agora em segredo
Quem não sabe o que diz
O sábio com sensatez
Cala-se na sua decência
Sabe que a estupidez
O vence por experiência
Tudo à vida consentem
Vivem tão supostamente
Que nada na vida sentem
E nada lhes doi realmente
Nem sabem bem o que são
Se existem na realidade
Ou se são mera ficção
De qualquer outra verdade
Na vida perdeu-se a essência
Tudo agora é incerto
Para os distantes a presença
Recusada a quem está perto
Já não conheço o meu bairro...
Posso bem, estar errado
E ser vítima da saudade
Mas este bairro cansado
Dará um grito de liberdade
Agora fechou-me a porta
Já não sei quem nele mora
Mas o que realmente importa
É que chegará a hora
Em que o meu bairro amado
Erga a voz e esteja seguro
Que o que nele é passado
É do mundo o futuro
Comentários
Passado e presente em poesia.Tudo mudou para pior em muitos sentidos ...sentidos. Ótima leitura
Obrigado Marcia
Abraço
Obrigado Gilnei
Abraço