O Velho Porteiro

O Velho Porteiro

 

Havia mais de trinta anos que Diamantino desempenhava as funções de porteiro naquela empresa. Durante essas décadas, não só abrira a porta de entrada a oito administradores, como também conquistara a admiração e o respeito de superiores e colegas.

Agora que se preparava para abrir portas ao nono administrador, fez questão de escolher a sua melhor farda, aparar a barba, se bem que a aparasse todos os dias, mas naquele caprichou ainda mais.

Ainda não eram oito horas da manhã e já, ele, se apresentava no seu posto. Foi com emoção que viu parar a luxuosa viatura, sabia bem quem vinha lá dentro, era o seu novo administrador.

Assim que a viatura se deteve por completo, enquanto o motorista saía da mesma e ia abrir a porta de trás, permitindo que o, único, ocupante saísse, ele, qual militar no seu posto, aprumava-se por completo e aguardava.

O ilustre passageiro saiu, vestiu o casaco, agarrou na mala e encaminhou-se para o edifício da administração da empresa, passando por Diamantino, sem sequer lhe dar os bons-dias, quanto mais responder às boas-vindas que o porteiro lhe dirigia.

Diamantino estava incrédulo, era a primeira vez que aquilo lhe sucedia, não estava habituado a tamanha falta de educação. Nunca, em mais de trinta anos, se tinha sentido tão ofendido no desempenho da sua missão.

O velho porteiro ignorava que o pior ainda estava para vir. Foi ao terceiro dia de exercício da nova administração, ao ser chamado à secção de pessoal, que sentiu como que todo o seu mundo a desmoronar-se,  o novo administrador entendia que a empresa não precisava de um porteiro para nada, por isso, eram-lhe dadas duas hipóteses, ou se adaptava a outras tarefas, ou seria dispensado. Tinha até ao fim-de-semana para se decidir.

Diamantino, porque ainda se achava em condições de continuar a trabalhar, optou por se tentar adaptar a outras funções, ignorando que o administrador dera instruções para que todos os que tomassem esta opção, fossem colocados a desempenhar funções bastante duras, visto que o verdadeiro objectivo  era reduzir o número de funcionários. Muitos acabaram por não se adaptar às novas funções e pediram para sair. Não foi o caso de Diamantino. O velho porteiro não era homem para se amedrontar com manobras baixas, e porque já entendera a estratégia do novo administrador, a quem nunca mais pusera a vista em cima, visto este passar os dias fechado no seu gabinete, pelo que, apesar de não precisar do ordenado para poder levar uma vida digna, decidira resistir e apoiar todos aqueles que tentassem lutar pelo seu posto de trabalho.

Iam decorridos dois meses, após a tomada de posse da nova administração, quando se começaram a ouvir comentários sobre o estado da empresa. A maioria dos trabalhadores não cumpria o horário de trabalho e a satisfação de muitas das encomendas começava a entrar em derrapagem, algo que nunca se verificara nas anteriores administrações. A culpa começava a bailar de um lado para o outro, isto é, a administração acusava os trabalhadores de não darem o rendimento necessário, enquanto estes atribuíam as culpas de tais atrasos, ao facto de os portões da empresa só abrirem já muito depois da hora marcada para o início da jornada laboral:

- Então, não corressem com o Diamantino do posto dele.

“É verdade”

O administrador, que ia a entrar, não evitou ouvir tais comentários. Dirigiu-se ao seu gabinete e ficou perplexo, o conselho de accionistas dava-lhe um período de quinze dias para resolver a situação. Pensou, pensou e resolveu, pela primeira vez, consultar os chefes das diversas secções da empresa. Estes aconselharam-no, na sua maioria, a rever a decisão de prescindir do porteiro, pois só assim resolveria o problema dos atrasos no início da jornada diária:

- Os senhores só podem estar a brincar comigo. Vocês acham mesmo que eu me ia rebaixar a um simples porteiro? Já sei como vou resolver o problema. Obrigado a todos.

O administrador decidiu-se pela contratação de uma empresa de segurança. O velho porteiro, ao saber da decisão, pediu para falar com o administrador. Este, muito contra vontade, lá acedeu a receber o homem:

- Bom dia.

- Bom dia, diga logo o que quer e depois vá mas é trabalhar.

- A razão que me levou a pedir para ser recebido, é só uma. O senhor, julgando-se mais inteligente que os seus antecessores, esses sim verdadeiros administradores, começou por querer enviar, além de mim, muitos dos meus companheiros para o desemprego. Saiu-lhe o tiro pela culatra. Depois, julgando-se superior a todos, recusou admitir que tinha errado e voltar atrás, claro que o senhor não se ia rebaixar a um simples porteiro. Finalmente, resolveu tirar um coelho da cartola e contratar uma empresa de segurança, mesmo sabendo que dinheiro é coisa que não abunda na empresa. Concluindo, o senhor, desde que aqui chegou só tem dado mostras da sua incompetência, por isso é que pedi para ser recebido.

- O que é que está para aí a dizer?

- Estou a dizer-lhe, que enquanto desempenhava as minhas tarefas de porteiro, continuei os meus estudos e conclui a minha licenciatura, curiosamente na mesma faculdade que o senhor e, ainda mais curioso, com uma nota muito superior à sua. Isto é, já nem sei quem é que aqui é inferior a quem.

- Eu sou o seu patrão. Saia.

- Não. Mais uma vez está enganado. Apresentei, há cerca de quinze dias, uma exposição ao conselho de acionistas e, ontem mesmo, fui incumbido de proceder a uma auditoria à sua gestão. Penso que já deverá ter a respectiva notificação no seu computador. Ah, tenho a comunicar-lhe, caso estivesse a pensar nisso, que não irei precisar da colaboração de pessoas com competências inferiores às minhas. Queira confirmar tudo quanto lhe acabei de dizer.

Os trabalhadores, desconhecendo a realidade, interrogavam-se sobre o que tanto teria, Diamantino, para falar com o administrador, especulando que o colega não aguentara a dureza das novas funções e tinha ido apresentar a sua demissão.

 

Moral: “Não é na roupa que se vê a competência de alguém.”

 

Francis Raposo Ferreira

04/01/2019

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