Ocaso
por J. A. Medeiros da Luz
Degustando um café, observo da varanda,
Ao lusco-fusco, no clarão sanguinolento,
Sobre os cumes dos montes, à luz do crepúsculo,
No que outras dezenas de asas buscam ninho,
De dorso azul negrusco uma andorinha única
Exibe acrobacias rápidas, nervosas,
Talvez tragando no ar desditosos insetos,
E quase competindo com algum morcego.
Nos últimos trinados que se ouvem, parcos,
A noite se avizinha e não demora muito
A lançar essa tal tarrafa de penumbras
Sobre os mil sortilégios secretos da noite.
— Recolha-te ao abrigo, ó louca avezinha,
Que a noite se avizinha, a pouco se avizinha!
Amanhã terás inda mais um novo dia,
Para teceres vãs evoluções ao vento.
E quem tal me sussurra chama-se Esperança.
Ouro Preto, 10 de dezembro de 2023.
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br; © J. A. M. Luz]
Comentários
Agradecido muito, caro João Carreira, por sua visita ao sotãozinho do Jota — e por suas gentis palavras. Renovo aqui minhas esperanças (já um tanto antigas e azinhavradas...) de conseguir, no próximo ano, mais disponibilidade para curtir o prazer de conversar com os amigos aqui em nossa casa virtual.
Abraço do j. a.
Vimos nos pássaros e em outros animais, bem como na flora exuberante, sinais de esperanças e conforto.
Prazer ler teu texto, J.A.
Tens razão, minha cara Margarida. O concerto universal inclui os seres todos, como já vislumbrava, em meados da décima terceira centúria, aquele autointitulado "jogral de Deus", o nosso saudoso irmão Francesco de Assis.
Abraço do j. a.
Estar e ficar atento ao que a natureza nos presenteia
nos mostra que é possível sim, trafegar nos acalmados mares da vida.
Que saibamos diferenciar aquilo que sentimos.
Parabéns
Abraços
JC Bridon
Sim, caro Bridon:
A vida inteira, incluindo os cantinhos das arestas, é uma gama de presentes que nos prodigaliza Mãe Natura. E sorte é quando, mercê dos dias já vividos, podemos levantar âncora em mares acalmados da vida.
Abraço, com meu agradecimento;
j. a.
Ah! a beleza extasiante do voo, a qual fazia o velho Leonardo, aquele sonhador itálico, sustar a respiração, imerso no sonho de uma cerebração sem par. E nós outros, humílimos caracóis de inteligência, também nos sentimos arrebatados quando o contemplamos nas asas de um pássaro e no levitar ao vento de uma semente de paina — que o planar também é voo! E essa deixa observacional, no caso específico deste poemeto pálido, acaba por se fazer mote para abordarmos a finitude dos seres animados (propriedade também partilhada pelas coisas — ditas inanimadas —, igualmente companheiras de viagem). E, para que não nasça a incômoda impressão de que essa finitude onipresente deva nos suscitar tristezas, o último verso faz alusão a nosso mais poderoso combustível existencial: a esperança.