Ontem em Idaho chovia a cântaros
J. A. Medeiros da Luz
Pouco se nos dá, afinal de contas,
Se ontem em Idaho chovia a cântaros,
E que, por aqui, tenhamos sol, como nos assevera
A descritora do tempo — musa de ébano —, na TV.
Sol que, somando-se ao chuvisco do último domingo,
Há de embelecer as vias com mil flores,
Aqui neste nosso claríssimo hemisfério!
Em estando assim, porém, nossa paragem,
Por que irmos cabisbaixos, sem muito riso,
A fazer-se-nos a alma sorumbática?
E nem mesmo conseguimos crer:
Se tão luminoso é tudo aí fora,
Como poderemos não folgar?
Quem haveria de se resignar, unicamente,
A sustentar aquele compasso indiferente
Do coração, como se fora apenas losango,
Feliz se o pulsar das arestas for a modo
De nos resguardar de sentir dor,
Enquanto marchamos, resolutos, eretos, rumo
Aos importantíssimos afazeres nossos,
Solenemente ignorando que
Ontem em Idaho chovia a cântaros?
Ouro Preto, 7 de maio de 2020.
Comentários
Cara Angélica:
Obrigado pela gentileza, inda mais com esses meus poemas meio "fora dos mancais", nesta estranha ampulheta do presente. O discurso poético, com seu transmudar de luzes sobre a realidade áspera, afinal nos ajuda a marchar nossos caminhos, não raro margeados de espinheiros; os quais — suave compensação — por vezes se adornam de florinhas miúdas e belas, a nos fazer lembrar das gentes amigas e amadas — flores olorosas que nos são verdadeiramente a bússola de nosso caminhar.
Abraço.
j. a.