Que cavalgadura estive sendo!
J. A. Medeiros da Luz
Pois busquei por vales e mil terras
Quase toda a vida (e aqui confesso)
Em demanda, muito aventuresca,
Da pedra do ardor filosofal,
Da senda secreta de Eldorado,
Na busca daquele Santo Gral,
Do excelso elixir da longa vida,
Do invencível elmo de Mambrino.
E, por todas essas maravilhas,
Tendo me arrojado em jornadas
Dignas dos heróis assinalados,
Só quando tornei, cansado e lúgubre,
A curtir mazelas e derrotas
É que percebi o diamante,
Perto da porteira da morada,
Que, pois, me esperara com paciência,
A contar cem luas se alternando.
Foi ao dar-me conta que eras tu
Que, enfim, conquistei o meu tesouro.
Ouro Preto, 25 de fevereiro de 2022.
[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]
Comentários
Pessoal:
Este pequeno poema de versinhos eneassílabos faz um contraponto entre aqueles desideratos que a imaturidade juvenil julga os merecidos galardões que a vida docilmente lhe reservará (pelo que julga em si de meritório) e a descoberta dos reais valores da vida, singelos e preciosos, que a maturidade, num ato de consolação compensatória ao trecho final da caminhada, desvenda a nossos olhos — já algo ofuscados pelas lidas.
Encavalei notórias ilusões que, no decorrer da história humana, foram a perdição de muitos, em muitas sôfregas procuras: a pedra filosofal dos alquimistas; a cidade folheada a ouro, onde o soberano e sua corte se borrifavam de ouro em pó, para seu adorno e deleite; o milagroso gral (graal), que teve a elevada honra de coletar o sangue e a linfa do Crucificado, quando de seu lancetamento final, perpetrado por Longinus, o soldado romano das velhas tradições; o sublime elixir alquímico, injetor da eterna juventude; o elmo mítico do rei mouro, Mambrino, que tornava inexpugnável quem o portasse...
Aliás, ninguém há de se esquecer, uma vez tendo lido, da embrulhada na qual o Cavaleiro da Triste Figura se meteu, quando confundiu um bacinete(*) de barbeiro, de cobre coruscante, com o elmo de ouro de Mambrino, requerendo-lhe a posse, como parecia apropriado a um cavaleiro andante procurador de proezas que o ilustrasse perante os olhos de sua intangível Dulcineia del Toboso...
E nós outros, menos grandiosos e mais humanos, nesta esganiçada batalha que acaba por ser a vida, depois de tantas caravanas e arremetidas atrás dessas (e de outras adicionais) maravilhas, acabamos por ver que a beleza e o tesouro da vida é a posse de coisas em tese simples como a serenidade, os afetos, o amor, e uma consciência leve o suficiente (por impoluta e não por farisaísmo) para pegar no sono, quando, no aconchego do leito, descansamos a cabeça sobre o travesseiro.
(*) Uma nota explicativa ao vocábulo: perdoem-me o que, hoje, seria considerado galicismo, mas o termo é de precisão "cirúrgica", se me permitem o trocadilho por antecipação. É para mim cristalino que o termo bacinete seja diminutivo de bacia, tanto que aqueles elmos medievais (usualmente de couro) têm esse nome, pelo formato. No ferramental cirúrgico, bacinete (no francês bassinet) é aquela pequena bacia reniforme para acomodar pinças e congêneres — exatamente iguais àquelas usadas pelos barbeiros para fazer a espuma de barbear (relíquia dos velhos cirurgiões-barbeiros do passado!). Portanto, penso que a lacuna da maioria dos dicionários lusófonos só se justifica pelo esforço de concisão (aliás, em inglês, bassinet também é aquele bercinho de bebê, a que muitas vezes chamamos, numa alusão bíblica quase autoexplicativa, moisés). Resumindo minha justificação, um tanto verborrágica: entre as duas regras de estilo: evitação de arcaísmo e busca da exatidão, fico sempre com a última.
Abraço; j. a.