REFLEXÕES
Eu caminhava na calçada pela Avenida Paulista meio sem destino vestido eu meu terno cinza, e avistei do outro lado uma rua de terra de barro pedregoso com esgoto ao ar livre com suas manilhas deitando na vala podre a podridão de bactérias e coliformes fecais que delas as manilhas escoavam e com as casinhas espalhadas ao longo das margens com seus muros de arame farpado com folhagens verdinhas sim, são muros quase virtuais e também muros somente de pés de fícus.
Na fachada das casas datas de 1930 e tal, casas velhas, surradas mas todas bem pintadinhas.
Estava eu lá com minha bronquite asmática quase sem ar mas respirando um ar muito puro com minha lata de leite ninho cheinha de bolas de gude. Era no triângulo jogando que ora minha lata enchia ora esvaziava.
Meu pião rachava os dos outros da rua e meu pião por vezes rachado por eles. Minha raia era linda e subia na linha sem cortante.
"Voava igual a passarinho, bailava no céu, insolente com o tempo e com a vida."
No primeiro cruzamento das ruas Assuruá e Tupiassu, lá estava eu jogando uma pelada contra.
Meninos da Assuruá contra meninos da Tupiassu e eram 5 para cada lado mais os goleiros.
Eu morava na Tupiassu mais em direção próxima à Rua Murundu, rua em que residia o cemitério de Padre Miguel, e o pessoal da Tupiassu formava seu time com os meninos que moravam acima do cruzamento da Assuruá.
Eu então jogava pelo time da Assuruá e isto provocava uma birra e eu era caçado em campo com jogo maldoso dos companheiros de moradia de mesma rua e eu com muita habilidade fazia muitos gols e de vez em quando eu parava na vala de lama podre ralando minhas pernas nas manilhas.
Muitas cicatrizes ficaram de tudo.
E lá vinha minha mãe extenuada com a varinha fininha de fícus me buscar nas peladas. Eu caminhava e nunca corria cerca de os 500 metros até minha casa levando aquelas varadas que cortavam como uma navalha as minhas peles das pernas quase de só osso.
"Não queria mostrar fraqueza ou qualquer erro cometido"
Eu era considerado raquítico para os meus 12 anos com 25 kg e 1,26m e era a danada da asma que me aniquilava aos poucos.
Esse menino não vai viver para contar nada, quer dizer, este menino vai viver para nada contar e logo vai morrer e não passa dos 15 anos diziam minhas tias e os vizinhos mais próximos e toma cálcio e complexos vitamínicos e xaropadas de mel com nabo e dava vômitos de tudo, cusparadas em boca de girino era como engolir sapos e as colheradas de asa de barata torrada e quantos cordões no meu pescoço com simpatias e eu as abria todas para ver o que estava escrito.
Tínhamos 3 camisas para 4 quatro irmãos e último que chegava tinha de ficar aos sábados em casa por ausência de camisas.
Este último e quem comprava camisas pois desde cedo já era frentista e como tal chegava mais tarde em casa.
Chorava, gritava palavrões, jogava o que via pela frente nas paredes e por ela subia até se cansar e dormir.
Não entedia por que apanhava tanto se estudioso e melhor aluno de todas as turmas com fitas azul e amarela presas na camisa às vezes amarela como segundo e verde como terceiro.
"Verde amarelo azul e branco era tudo de bom"
Meu pai talvez fosse o motivo pela profissão de caminhoneiro e ficava muito tempo fora de casa viajando trabalhando e faltava dinheiro em casa e éramos 4 irmãos bons, mais famintos e briguentos , naturalmente como a maioria das crianças sadias e para ser sadio não conta a asma crônica que era de minha propriedade sofrer.
Retornando a minha posição inicial pela direita da Avenida Paulista estou obeso perto dos 120 kg suando envolto no terno cinza respirando ar insuportável.
Estou com a cabeça quase na marquise com meus 1,92 m esbarrando no pessoal que vem e que vai para não sei aonde.
Já estou voltando ao trabalho como “assessor” de um diretor financeiro de uma multinacional.
...Sim, sou assessor do tempo que passou e não vi e não entendi,
...Sou assessor do vento, do ar, da água.
...Sou assessor de tudo.
...Um assessor expectador.
final...
Antonio Domingos
Março de 2019
REV|MOD\AD_NOV 2019
Comentários
Estas cenas da tua crônica, são cenas vividas em tantas outras paragens que dá de ouvi os gritos de alegria e vibraçãoo dos garotos num fim de tarde a jogar pelada.
Aplausos, Domingos.
Interessante seu conto, Antônio!
Meus parabéns.
Abraço