Resiliência

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꧁༒☬𝓡𝓮𝓼𝓲𝓵𝓲ê𝓷𝓬𝓲𝓪☬༒꧂

 

Em meio a percalços pessoais que vivencio, me liga Dona Sandra, avó da minha afilhada afetiva Larissa, dos tempos de Defensoria.

Chora muito. Está chegando em Valparaíso, levando o sobrinho Maxuel ao presídio. Este, ainda criança, foi abandonado pela mãe e acolhido pela tia. Que viera de São Paulo, onde tem um filho em boa situação econômica (o qual parece ter se esquecido da família).

Veio pra nossa cidade com quatro filhas crianças. Aqui já moravam mais três filhas que engravidaram ainda adolescentes. A vida se complicou. Tanto Maxuel, quanto as filhas menores, acabaram acolhidos em abrigo municipal.

E se deu o mesmo com os bebês das outras filhas. Três foram adotados por famílias substitutas. A mãe da Larissa se tornou moradora de rua e a menina foi igualmente para o abrigo. E então eu entrei nessa história e acabei atuando em mais de trinta processos da família na Vara da Infância e Juventude.

Foi difícil, que Sandra queria a reintegração de todas as crianças e adolescentes. Conseguimos reverter dois casos de adoção, por puro acaso, que os adotantes rejeitaram as crianças e o juiz revogou as adoções. E logramos recolocar todos os demais com a Sandra, cujo sustento vinha de seu trabalho como cozinheira de restaurante de rodovia.

O caso de Larissa, filha da moradora de rua, foi emocionante, eis que ela estava em vias de ser adotada e se escondia debaixo da cama quando o casal interessado ia visitá-la no abrigo. Queria voltar pra Sandra e quando consegui a decisão judicial e a levei pra casa da tia ela me abraçava e dizia a todos que “meu padrinho me tirou do abrigo”.

Então, foi pela escolha dela que me tornei mesmo o padrinho. Hoje ela estuda no Sesi e é uma adolescente feliz.

Mas a história que iniciei acima foi um tanto diferente na sorte no que diz respeito ao Maxuel, portador de leve retardamento mental. Envolveu-se aos quinze anos com o meio infracional das drogas e teve passagens pela Fundação Casa.

Atingida a maioridade, não conseguiu emprego, pela condição mental e pelo histórico de drogadição. Fazia tratamento psiquiátrico, de forma irregular, mas ano passado, aos vinte de idade, foi preso por tentativa de roubo de uma carteira com 20 reais. Foi a  própria vítima que o deteve.

Sua defesa se deu por defensor dativo que nunca o avistou, por conta das restrições da pandemia. Condenado a quatro anos de prisão em regime semiaberto, teve direito a uma “saidinha” para visitar Sandra e no dia de hoje ela o levou de volta ao presídio.

Disse-me, em meio ao choro, que o Maxuel, nesses dias de visita, furtou pertences de outra filha e de vizinhos e ela se viu na obrigação de cobrir todos esses prejuízos. Está com graves problemas de saúde e numa desesperadora situação financeira e sustenta cerca de 15 pessoas da família, ganhando pouco mais de um salário-mínimo na aposentadoria do INSS, forçada a fazer “bicos” de venda de roupas.

Sandra não me pediu nada. Ligou apenas para perguntar sobre meu estado de saúde, que ando meio abalado. Durante a ligação, quase chorei junto à Sandra. Mas não o fiz. Aguentei firme. Que um de nós devia mostrar-se forte, não é mesmo?

 

 

pedro avellar – junho de 2022 (a história é real, mas os nomes foram alterados)

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Pedro Avellar

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Comentários

  • Parabéns Pedro Avelar, pela excelente e reflexiva narrativa!

    Aplausos!

  • This reply was deleted.
  • Gostei demais do seu texto, Pedro!

    Parabéns.

     

  • Adorei teu texto! Parabéns Pedro!

  • Seu texto é um retalho de milhares de situações de sofrimento...Gostei do desfecho de que alguém teria de ser forte em conformidade com todas as resiliencias

    Parabéns Pedro Avellar 

    • Tem razão, meu caro. Muito grato. 

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