Silêncio...

Silêncio…

 

De repente fez-se silêncio. Um silêncio absoluto, assustador. Não se ouvia nada, absolutamente nada. Nem o barulho do motor de algum carro, nem uma única voz que fosse, era como se a rua se situasse em pleno deserto. Nada se ouvia. Talvez fosse possível ouvir-se o bater de asas das moscas, se as houvesse. Mas nem moscas havia.

Lourenço foi-se embrenhando nesse silêncio absoluto, à sua frente só um universo vazio, completamente vazio. Arriscou ir em frente e avançou um pouco mais, parecendo-lhe que o mundo, todo o mundo, se envolvera num profundo e denso manto branco, como um enorme fardo de algodão que se ia abrindo à medida da sua passada.

Parou, de repente, ao descortinar, por entre ligeiros traços menos brancos que o espesso manto branco de algodão, um local que não lhe era totalmente desconhecido, uma espécie de passagem superior sobre uma estrada. Sim, era verdade, recordava-se de já ali ter passado, tudo aquilo lhe fazia lembrar um sítio do qual não conseguia localizar com precisão, mas que sabia não lhe ser completamente, nada mesmo, estranho. Fixou o olhar, lá estava, tal como suspeitava, aquela ponte pedonal em forma de meia-lua. Nada daquilo, de tudo aquilo, lhe era estranho.

Lourenço bem se esforçava para se tentar recordar de onde aqueles pormenores lhe eram familiares, mas quanto mais se esforçava, mais se apercebia de como a envolvência lhe era completamente estranha. Era isso, o que lhe era, de facto, estranho, era toda a envolvência, pois além de não conseguir vislumbrar os pilares de sustentação de tal ponte, também nem não conseguia vislumbrar as grades de protecção, encostado às quais, tinha a certeza disso, desfrutara de uma vista maravilhosa, apesar de continuar sem se conseguir situar. Reparou então que nem sequer vislumbrava estrada alguma que justificasse a existência de tão familiar ponte, tudo era um vazio completo.

A única coisa que conseguia distinguir no meio de todo aquela brancura, era mesmo, e só, o caminho que o convidava a avançar e atravessar aquela ponte erguida no meio do silêncio, sustentada por enormes fardos de algodão branco. Era como se estivesse a entrar num mundo onde todas as cores, além do branco, fossem proibidas. Assustou-se. Seria aquilo o Paraíso? E se fosse, isso significaria que estava morto?

Hesitou, pela primeira vez hesitou, prosseguir. Foi então que lhe pareceu ouvir uma voz. Não era impressão, ouvia mesmo uma voz, mas, curiosamente, era uma voz que lhe falava em silêncio e lhe dizia:

“Vem. Não tenhas medo, vem daí.”

Lourenço, sem assim o decidir, decidiu seguir aquela voz que lhe mostrava o caminho e foi vendo como os fardos de algodão, sim agora tinha a certeza, eram mesmo fardos de algodão, se abriam para o deixar passar.

Sonho ou não, loucura ou talvez também não, o certo é que no outro lado da ponte, ela o aguardava.

Lourenço, com medo de quebrar tão sensual silêncio, caminhou ao seu encontro, docemente, podia dizer-se estranhamente, pois  se lhe parecia que quase nem levantava os pés do macio algodão que lhe atapetava o caminho, ao mesmo tempo era como se voasse sem sequer pisar esse mesmo algodão.

 No outro extremo da ponte, o qual lhe parecia que se afastava à medida que ele avançava, como se a dita ponte se afastasse na proporcionalidade directa dos seus passos, pelo que ela, tão tranquila como o silêncio que o envolvia, tão doce e meiga como os fardos de algodão que o vinham acompanhando ao longo da sua caminhada, tão pura e verdadeira como o branco de todo aquele universo, se mantinha à mesma distancia a que a vira pela primeira vez, limitando-se a repetir, ao mesmo tempo que lhe abria os braços:

“Vem. Não tenhas medo, vem daí. Vem a mim”

 

Francis Raposo Ferreira

12/02/2020

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