Ti Martinho e o Novo Professor

Ti Martinho e o Novo Professor

 

Pais e alunos, mais aqueles que estes, já começavam a desesperar, quando Bernardo se apresentou como o substituto da professora Luísa. O caso não era para menos, a professora Luísa conduzira aquelas crianças desde a 1ª classe e, agora que entravam na 4ª, em pleno ano de exame é que ela tivera a infelicidade de adoecer. A escola deveria ter começado há ais de dois meses, mas o ministério da educação demorava em substituir a velha professora.

Muitos dos pais que, agora, olhavam com receio para o futuro, já tinham sido alunos da professora Luísa. O isolamento da vila, era visto, não só como o principal obstáculo a uma rápida substituição, mas também como a razão mais forte para a professora Luísa se ter mantido tantos anos como a única professora daquela velha escola, ninguém queria ir para aquele fim do mundo.

A chegada de Bernardo, acabou por constituir tema de conversa, à tarde, quando os homens da vila se reuniam na taberna do Ti Martinho, por acaso, também ele encarregado de educação de um dos alunos, a sardenta e irrequieta Matilde. Ti Martinho ficara responsável pela neta, quando a nora abandonou o filho e este decidiu emigrar. Enquanto uns teimavam em criticar o ministério por tão tardia substituição, outros atiravam culpas para o isolamento a que se viam sujeitos, sem que não faltasse quem se mostrasse preocupado com a juventude do novo professor:

“Tanto tempo, para depois nos enviarem um franganito daqueles. Coitado do miúdo, deve ter fugido das saias da mãe.”

Ti Martinho, que não só era o mais velho, como também o mais sensato de todos, não se deixou ficar e respondeu-lhes:

- Vocês devem ter nascido já a saber fazer tudo. Estou mesmo convencido que nunca foram jovens e nem precisaram de aprender nada. Deem tempo ao moço, deixem-no mostrar o que vale.

Os dias vão dando lugar às semanas, que por sua vez se vão convertendo em meses, e a desconfiança dos pais, para com o jovem professor, vai-se acentuando. Então não é que o professor resolvera convocar os pais, logo nos primeiros dias, para lhes transmitir que não precisariam de se preocupar com a compra dos livros. Ficaram estupefactos, então o franganito não queria que os seus filhos aprendessem a ler e a escrever? Sim, que aquela ideia maluca de não querer livros, só podia significar isso! Bem, se era assim que o ministério tratava dos seus alunos, não seriam eles quem iria fazer fosse o que fosse para contrariar os senhores doutores.

Quando a data do exame da 4ª se aproximou, é que começaram a dar mostras de alguma preocupação, não que, na sua maioria, estivessem muito preocupados com o resultado, afinal também não tinham a 4ª classe e não era por isso que não sabiam como sustentar uma família.

O dia do exame chegou. Poucos eram os pais que marcavam presença, só dois ou três, mais Ti Martinho. Foi ele, assim que avistou o jovem Bernardo, quem se lhe dirigiu, lhe estendeu a mão e lhe agradeceu tudo quanto fizera pelas crianças da vila. Os outros pais mostraram-se surpreendidos com o gesto do seu conterrâneo. Aquele jovem não preparara os seus filhos para o exame, e ele ainda lhe agradecia.

O exame começou, primeiro com a prova escrita e, depois, com a prova oral. Os membros do júri estavam perplexos, nunca tinham visto grupo mais bem preparado que aquele. O exame foi um sucesso tal, que o próprio ministério resolveu enviar uma comissão de inquérito para averiguar se os resultados refletiam mesmo as competências dos jovens alunos.

Bernardo, ao saber das intenções do ministério, convocou os pais e pediu-lhes que nada temessem, os seus filhos superariam qualquer prova a que fossem sujeitos. Assim sucedeu.

Ti Martinho, fazendo jus à sua fama de homem justo, reuniu todos os pais no Largo do Pelourinho, pediu-lhes atenção e dirigiu-lhes algumas palavras:

- Todos vós, sem excepção, foram tremendamente injustos para com o senhor professor Bernardo, acusando-o de não saber o que fazia, mas, nenhum de vós, foi suficiente valente para lhe apresentar desculpas. No próprio dia do exame, quando lhe fui agradecer tudo quanto fizera, alguns me criticaram. Não o teriam feito se, em vez de se deixarem levar por preconceitos, se tivessem dado ao trabalho de uma, ao menos uma, vez tivessem aceite os vários convites que ele vos endereçou para assistirem a uma aula. Nenhum de vós se deu ao trabalho de ir, nem que fosse só para criticarem como tanto gostam de fazer, assistirem a uma, pelo menos uma, aula do senhor professor Bernardo.

Fez-se silêncio no recinto. Ti Martinho ainda não tinha terminado:

- Todos o criticaram por não vos querer sacrificar com a compra dos livros, mesmo que para isso, tivesse de abdicar muito do seu tempo a preparar os materiais que substituiriam esses mesmos livros, cujo dinheiro bastante jeito nos deu. Como forma de agradecerem ao senhor professor, peço-vos que se mostrem arrependidos e disponíveis para serem os alunos, por uma só vez, de modo a que possam ver com os vossos próprios olhos, como eram as aulas do senhor professor Bernardo.

Assim fizeram, não uma vez, mas muitas mais. Após a primeira aula, onde puderam ver como a história se aprende muito melhor se for reconstituída, em vez de contada dentro de uma sala, ou como a matemática se torna muito mais fácil se for apresentada num contexto prático, os pais não hesitaram em apresentar desculpas ao jovem Bernardo e pedir-lhe que os preparasse para fazerem o exame da 4ª classe.

Ti Martinho sentia o seu coração a sorrir, não só por ver como os seus conterrâneos eram homens de bem, mas também por verificar como a sua confiança nos jovens, voltara a não ser traída.

 

Moral: Aceita a mudança e alimentarás a esperança.

 

Francis Rapposo Ferreira

21/10/2019

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Comentários

  • Que maravilha! É verdade, mundanças são necessárias.

    Meus aplausos!

    Maravilhosa crônica.

  • 997026020?profile=RESIZE_710x

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