Toiling at his final resting place

J. A. Medeiros da Luz

         — “Richard Spruce (1817–1893):  Distinguished botanist,

              fearless explorer, humble man, lived here

              (Placa memorial em Coneysthorpe, Inglaterra).

 

Asseveram fidedignas fontes

E testemunhos desapaixonados

Que, nas noites enluaradas de verão

— Quando o vento expele as brumas —

Naquele velhusco cemitério cristão

Da igreja de Todos os Santos, em Terrington,

Desde o finalzinho de 1893

Faz-se possível vislumbrar o vulto fino

Do resiliente Richard Spruce,

A catalogar as suas ervas, exsicatas,

A rabiscar, sem candeia ou lampareta,

Obras residuárias e outros escritos.

 

E a relembrar, com ímpeto de viajor,

O calor molhado e tórrido

Do Rio Trombetas, do Rio Negro, dos igapós,

E das canoagens mui perigosas

Nos rápidos, resvaladiços e mortais.

 

E em tais noites, garantem as tais fontes

(A quem possua  fleugma para ouvir),

Os musgos e hepáticas, incrustados

Nas lápides rugosas e na mureta

Que as separa (até quando?)

Deste mundo dos vivos-por-enquanto,

Lançam seus esporos pelo orvalho,

Numa celebração noturna à vida.

 

E, mesmo estando o transeunte nessa ilha

(Longe quantas milhas?),

Nessas  noites de luarejo mágico,

Se ouvem assaz distantes, distantes,

Os graves sons do estrugir

De mimbyaparas, as derradeiras trombetas

Dos barés, dos tucanos, dos piratapuias,

Entre goladas de cauim e dança,

Percutindo pés munidos de chocalhos,

Em cantos rústicos, em dáctilos...

Ouro Preto, 30 de janeiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@gmail.com © J. A. M. Luz]

 

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • Fantástico teu texto, J,A!

    Meus parabéns!!!!

     

    • Agradecido, cara Márcia. 

      Confesso que andei "gazeteando" minhas atuais pendências de trabalho hoje, para elaborar essa pequena homenagem em verso, decorrente de leitura compassada de mais um dos volumes da fantástica coleção brasiliana da Editora Itatiaia, de B. H. (volume 236 da Coleção Reconquista do Brasil). Livro que, como tantos, adquiri de meu amigo Roberto Segabinazzi, artista plástico que comercializa livros nas calçadas de Ouro Preto. Mas sendo domingo, o pecadilho é perdoável, apesar de me custar caro na semana que se inicia.

      E, no que concerne ao poema, procuro sempre ajuntar uma pegada — vá lá...— estética a uma pincelada especulativa, mesmo que algo tosca, em traços de mão pesada. Não costuma ficar lá grande coisa, mas o que resulta tem a sua singularidade, até mesmo pelo mesclar, na paleta, das poucas convicções com as muitas dúvidas do autor. 

      Abraço e boa semana! j. a.

  • Parabéns J.A. Pelo excelente e belo texto!

    Meus aplausos!! 

    DESTACADO!

    • Obrigado, cara Angélica, pela gentileza das palavras. Curioso, ter sido nas notas de Spruce que deparei pela primeira vez o registro em pentagrama de um dos temas cantado pelo nosso uirapuru. Sou, infelizmente para mim, analfabeto em música; portanto, não entendo patavina do escrito. Mas como curiosidade, deixo aos músicos do CPP que, porventura, entendam a anotação de ouvido de Spruce, registrada no capítulo III, sobre excursão a Óbidos e ao Rio Trombetas (1849–1850), na página 102 do original:

      10058272097?profile=RESIZE_400x

      No meu caso pessoal, resolvo hoje em dia a questão consultando diretamente o cantor na Internet (como, por exemplo, em: https://www.youtube.com/watch?v=i0ZJu6XWwdQ ).

      Abraço; j. a.

       

       

    • Descobri, revisitando esta página que, inadvertidamente, havia apagado minha mensagem inicial genérica, sobre os condicionantes do poema e — principalmente do elemento sob homenagem — Segue novamente ela: 

       10063047678?profile=RESIZE_710x

      Pessoal:

      Eis uma canhestra homenagem ao velho Spruce, cujas anotações (botânicas, geológicas e etnográficas) de sua viagem de 15 anos pela Amazônia (1849 –1864) só vieram a lume pelas mãos  do seu amigo, o famoso Alfred Russel Wallace (o coautor da teoria da evolução pela seleção natural). Spruce, o denodado naturalista, morreu antes da versão final dos escritos, devido a forte gripe que o extinguiu em dezembro de 1893.

      É bem verdade que, apesar destes tempos de esquizofrênico revisionismo,  não podemos sensatamente demonizar seu (hoje muito deplorável) eurocentrismo antropológico, que era a régua pela qual todo naturalista daquele continente media (e não há aí surpresa alguma) o mundo inteiro; resultando, não raro e obviamente, erros crassos de avaliação e de cristalização de juízos injustos. Mas cumpre a nós do presente separar o joio do trigo, a gema valiosa do cascalho.

      Diga-se, a propósito, que, à época, mesmo a elite intelectual de outros continentes, menos aquinhoados com conhecimentos, compravam, via de regra, os preconceitos, sem maior análise crítica. O que não é de se espantar, em que pese os ditames da ciência, cristalizados por Francis Bacon, Occham, Giordano Bruno, Galilei e companhia, que advogam valor nulo à opinião da "autoridade" e valor absoluto aos dados empíricos.

      Ainda hoje se, em tese, caso um Zé Mané afirme uma verdade, à qual um Albert Einstein ou um Pasteur venha contestar, vai ser difícil o Zé Mané encontrar um defensor (ou, ao menos, um perquiridor judicioso e imparcial para aferição dos fatos)...

      Abraço; j. a.

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