Era uma manhã nublada quando Julio César, sem dizer nada, pegou o chapéu, jogou o casaco nos ombros e deixou o portão bater atrás de si. O pequeno quarto que chamava de lar estava sufocante. O cheiro de café frio, os móveis gastos, as paredes desbotadas... tudo parecia ecoar uma vida que ele não queria mais. "Deixe-me ir, preciso andar..." murmurava para si mesmo, enquanto os sapatos gastados ressoavam contra as calçadas da cidade. Não era uma fuga — ou talvez fosse. Mas não uma fuga desesperada. Era mais um impulso, uma necessidade de sair de si, de escapar das teias que ele mesmo havia tecido ao longo dos anos. Julio César não tinha destino. Caminhava sem mapa, cruzando ruas e avenidas como quem busca algo, sem saber exatamente o quê. Uma esquina o levou a um parque. Sentou-se num banco, ao lado de um homem que tocava violão. Era um samba, simples e melancólico. Ele sorriu de canto, lembrando-se de que já fora um sambista, um contador de histórias com o violão. Mas o tempo, sempre ele, roubara o entusiasmo. “Vou por aí a procurar, rir para não chorar…” cantarolou baixinho, acompanhando o ritmo do violão. O homem ao lado olhou para ele, riu e continuou a tocar, como se também soubesse o peso que havia por trás daquele verso. Por horas, ele vagou. Passou por bares onde os risos eram altos e a vida parecia mais leve. Viu jovens apaixonados trocando promessas eternas e velhos solitários bebendo em silêncio. Ele se reconhecia em cada rosto. Em algum momento, fora todos eles. E agora? Agora ele era só um homem andando, tentando lembrar como era rir de verdade. Chegou ao rio ao cair da tarde. O sol se despedia em um tom alaranjado, refletindo na água turva. Ele sentou-se na margem, tirou os sapatos e deixou os pés tocarem a terra fria. Era ali, naquele silêncio quebrado apenas pelo som do vento e da correnteza, que ele finalmente sentiu algo próximo de paz. Não havia respostas, nem certezas. Mas, por um instante, ele percebeu que talvez não fosse necessário encontrar nada. Apenas andar, seguir em frente, rir quando fosse possível. O mundo era grande, a estrada infinita. E então, de pé novamente, com o chapéu ajustado e um leve sorriso no rosto, ele murmurou outra vez: “Deixei-me ir, preciso andar...” E foi. Por aí, a procurar. Madrugada 22 novo 2024
Comentários
Belo texto. Parabens
Belezura de texto, Helena!
O vídeo finalizou a bela tela. Parabéns.
DESTACADO.
Bjs
Oi Helena
Quando sentimos que a poetisa/escritora mostra em sua maravilhosa crônica o dia a dia de um sonhador das vidas escondidas, atinge muigtas vezes a tristeza que já foi de alguém lá no futuro.
Parabéns, amiga
Abraços
Bom dia, Helena!
O conjunto ficou ótimo,
claro um texto triste, mas, o interessante é a arte.
Parabéns#👏👏👏👏👏🤟🏿.
Um carinhoso abraço,
minha querida amiga.
#JoaoCarreiraPoeta.