Vencidos da Vida
Eram três seres cujas expressões, faciais e corporais, não deixavam margem para dúvida alguma, eram três vencidos pela vida. Aliás, era por isso mesmo que ali estavam, na condição convidados e testemunhas de como a vida pode dar a volta e derrubar até mesmo aquele que se julgue a salvo de qualquer contratempo.
Miguel, Tomaz e Susana, já tinham vivido momentos de grande fulgor, quer financeiro, quer familiar e social, o que, no entanto, não fora suficiente para os proteger das vicissitudes da vida. Todos eles tinham vários pontos em comum, sendo que um deles era o facto de todos terem sido professores daquela escola.
O psicólogo que dirigia o painel de convidados, após fazer uma breve apresentação de cada um deles, convidou a plateia a colocar-lhes algumas questões:
- Dr. Miguel, recordo-me perfeitamente dos seus tempos de abastado homem de negócios, precisamente numa altura em que eu andava por maus caminhos, assim como me recordo de como me criticava e me ia dando alguns conselhos. Pergunto-lhe, como foi possível cair até onde se encontra agora.
Miguel, tal como prometera ao aceitar o convite, não se inibiu de explicar como a ilusão de que conseguiria ser mais forte que todos os vícios e tentações, o levara a deixar-se enrolar de tal maneira que jamais conseguira escapar de tal armadilha:
- Aquilo que mais dor me provoca, não é o ponto onde caí, mas sim, tudo quanto fiz até aqui chegar, nomeadamente todo o sofrimento que provoquei naqueles que tudo fizeram para me ajudar, chegando, inclusive, a prejudicar as suas próprias vidas, em prol de mim. Claro que me refiro, principalmente, aos meus filhos e à minha ex-esposa.
O silêncio que se instalou na sala, até porque a grande maioria dos presentes conhecia, bem, toda a história de Miguel, fez com que o Psicólogo desse a palavra a Susana:
- O meu caso, como muitos de vocês sabem, até porque, tal como os meus dois colegas, cheguei a ser professora desta escola, foi um pouco diferente do Miguel. Eu tinha um bom casamento, dois filhos que eram a razão da minha vida, mas nunca consegui ver o meu marido como o homem com que sempre sonhara, isto é, alguém que me mimasse no dia-a-dia. Deixei-me levar nas ilusões e nas palavras de alguém a quem tive a infelicidade de falar dessa minha tristeza. Ao ver-me acusada pelos meus próprios filhos por ter traído o pai deles, não fui capaz de dar a volta à situação, voltei a acreditar em quem não devia e fui caindo degrau após degrau. O fundo chegou quando o desgosto me empurrou para o último refúgio, a bebida.
Novo silêncio assustador se instalou no auditório, pelo que o psicólogo logo tratou de passar a palavra a Tomaz, de todos três o que parecia mais marcado pelas agruras da vida:
- O meu caso, além de não ter nada a ver com o que aconteceu ao Miguel, também não se pode comparar ao que sucedeu à Susana. Eu sempre me habituei, desde criança, a ter tudo o que desejava, não precisando preocupar-me de onde vinha o dinheiro, meus pais davam-me tudo de mão beijada. Assim cresci, assim casei, assim construí uma família, tenho 4 filhos, e assim continuei a viver, sem responsabilidades. Se assim, sempre vivi, também assim me fui enterrando nesse grande lamaçal que são os vícios próprios de quem não aprendeu a governar a vida. Nunca me apercebi de como a minha vida desregrada de álcool, mulheres, jogo e tudo o que a esse mundo está ligado, fazia sofrer aqueles que mais me amavam, minha ex-esposa e meus filhos, pelo que quando me abandonaram à minha sorte, os condenei por não me ajudarem, algo que tinham feito durante todo o tempo que vivemos lado a lado. Cai no fundo, hoje, não só já não tenho pais, como não tenho dinheiro nem família, e nem sequer o emprego, tal como sucedeu com os meus companheiros, consegui manter.
Tomaz não conseguiu continuar a falar, sendo Susana quem pegou na palavra e terminou:
- Como podeis ver, apesar de a maioria de vós já conhecer as nossas histórias, pois é nesta casa que ainda vamos conseguindo arranjar algum apoio e carinho, qualquer um de nós três já teve de tudo na vida e hoje…hoje não temos nada a não ser a compaixão de quem um dia partilhou a sala de professores connosco. Podeis pensar que somos uns vencidos pela vida, mas não é verdade, somos é uns vencidos pelas ilusões.
Moral: Saber ser grato ao que nos é dado, é um grande passo para a Felicidade.
Francis D’Homem Martinho
15/02/2020
Comentários
Õbrigado, amiga Marsoalex. Beijinho.
Sem palavras!!!
Obrigado, amiga Angélica. Beijinho.