Vingança de Amor

Vingança de Amor

 

David era um jovem muito pobre, que vivia num bairro tão pobre quanto ele, para quem os horizontes de futuro se apresentavam bastante enovoados.

Certo dia apareceu no Bairro, uma nova assistente social, nova e bonita, de seu nome Raquel, por quem David se sentiu atraído, embora consciente que pertenciam a mundos distintos. Raquel depressa se integrou não só na realidade do bairro, mas também no seio daquela comunidade tão carenciada de tudo menos de pobreza e dificuldades. Aos poucos e poucos, a assistente lá foi pondo algumas instituições em movimento, como o centro de dia, que se revelaria de grande importância para toda aquela gente.

Outra mais-valia que iniciou actividades foi o pavilhão gimnodesportivo, há muito construído, mas que nunca tinha aberto portas à população. Percebendo bem a realidade em que se movia, Raquel decidiu incentivar e apoiar a prática do boxe, pois, ela, sabia que muitos daqueles jovens precisavam de um escape onde pudessem libertar muita energia que tinham acumulada, tanto no físico como no cérebro., além de procurar aproveitar a mais-valia que poderia advir do facto de ali viver uma antiga glória do boxe nacional.

Foi também o despertar desta actividade que levou Marcelo até ao bairro. Os vistosos canudos que brilhavam nos seus dedos, bem como as grossas pulseiras de ouro, não deixavam lugar a dúvidas, era um homem de muito dinheiro. Na realidade, ele, era empresário de vários desportistas, na sua grande maioria amadores que lhe proporcionavam vastos rendimentos. David acabaria por chamar a atenção de Marcelo, mas não sendo o único a consegui-lo, também a beleza de Raquel, bem como o seu ar de presa indefesa, não lhe passara despercebidos.

David começou a ganhar os vários torneios em que participava e foi conseguindo amealhar algum dinheiro, sempre na esperança que Raquel reparasse nele. Não aspirava a mais nada, somente sonhava com algum gesto de atenção dela para com ele.

Marcelo continuava a apertar o cerco à rapariga e foi quando a quadra Natalícia bateu à porta que decidiu jogar a cartada decisiva. Ou Raquel aceitava o seu pedido de namoro ou ele via-se obrigado a tomar conta do edifício onde funcionava o centro de dia do bairro, mercê dos vários empréstimos que, já com segundas intenções, tinha vindo a fazer. Marcelo, senhor de grande conversa, fazia tudo, sempre, no intuito de os utilizar como trunfo no cerco à bela assistente social.

David apercebeu-se que algo se passava com a rapariga, pelo que ganhou coragem e decidiu confrontá-la de forma frontal:

- Dra. Raquel, posso saber o que se passa? Nestes últimos dias não a tenho reconhecido.

- Nota-se assim tanto?

- Não sei se se nota ou não. Só sei que eu noto. Dra. Raquel, foi alguém que lhe fez mal? Se foi, diga-me quem foi que eu desfaço-o.

- Calma David. Tu não podes fazer isso. Nem isso, nem nada para me ajudares, a não ser continuares a ser o rapaz humilde que sempre tens sido, pelo menos desde que eu cheguei ao bairro.

David sentiu-se confuso, ao contrário do que pensava, a Dra. Raquel já reparara nele:

- Posso pois. Um homem apaixonado pode tudo.

- Tu estás apaixonado?

- Sim. Desde o 1º dia que a vi que estou apaixonado por si. Não me pergunte porquê, pois somente lhe poderia dizer que além de a achar muito bonita, também sei que tem um enorme coração. A Dra. é que nunca olhou para mim, mas não a censuro.

- Oh David. Desculpa-me.

- Isso agora não importa. Conte-me o que se passa. Prometo que guardarei segredo.

Raquel não viu outra saída senão contar a verdade ao jovem, afinal, ele, fora tão sincero com ela que até confessara estar apaixonado por ela.

- Canalha. Deixe-me pensar no assunto.

Passados dois dias, David procurou Raquel e contou-lhe o plano que engendrara. A jovem assistente social, além de sentir medo e entender que não tinha o direito de expor o jovem a tão grande risco, também duvidou da sua eficácia, mas não tinham nada a perder. Deu um beijo na face do jovem e foi ao encontro de Marcelo, não havia tempo a perder.

O pseudoempresário, não desconfiando de nada, viu naquela proposta a hipótese de dar o golpe final nas suas pretensões de obrigar Raquel a aceitar o seu pedido de namoro, pelo que a aceitou de imediato.

No dia aprazado lá estavam todos. O pavilhão do bairro estava completamente esgotado. David combatia contra um dos novos boxeurs do bairro. Se David ganhasse, como era quase certo, Marcelo receberia como prémio, a posse definitiva do pavilhão gimnodesportivo, o que, no seu pensar, deixaria a jovem assistente social nas suas mãos, enquanto que se fosse o seu adversário a vencer, o que era quase impossível, o bairro ver-se-ia livre de todas as dívidas para com Marcelo. Tudo devidamente escrito e registado, Raquel aprendera a não confiar na palavra do homem.

O combate iniciou-se e David começou, rapidamente, a ganhar vantagem. Marcelo olhava para o local onde estava Raquel, sorrindo e já imaginando o momento em que a confrontaria com a realidade, ou ela aceitava namorar com ele, ou acabavam-se as actividades no pavilhão, e sorria. Num instante tudo mudou, David aproximou-se do seu adversário e segredou-lhe “afasta-te e dá-me uma esquerda directa”. O outro assim fez, David fingiu não se conseguir esquivar, recebeu o soco do seu adversário e deixou-se cair. O árbitro iniciou a contagem, Marcelo levantou-se como se tivesse molas no rabo, dirigiu-se ao ringue de combate e gritou-lhe:

- Ou te levantas imediatamente ou dou cabo da tua carreira.

David olhou-o, sorriu-lhe e disse:

- Que me importa uma carreira feita para encher os bolsos de um canalha como o senhor? Prefiro perder por amor do que ganhar por si.

Marcelo percebeu tudo. Deixara-se enganar. Raquel e David que não pensassem que aquilo ficava assim, mas os jovens ameaçaram denunciá-lo às autoridades, caso o voltassem a ver pelo bairro, além de não se responsabilizarem pelo que lhe pudesse acontecer.

 Nesse ano, a festa em honra de S. Martinho realizou-se no Centro de Dia e foi aí que Raquel confessou a David que ele a ensinara a amá-lo:

- É verdade, aprendi a amar-te através de uma vingança de Amor.

 

Francis Raposo Ferreira

25/10/2019

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Comentários

  • Amiga Edith Lobato, boa noite. Obrigado. Beijinho.

  • Viver para satisfazer os outros nunca é uma feliz opção.

    Excelente!

    Parabéns!

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CPP