Talvez, porque creia nelas, às vezes, eu penso que vejo retalhos de vidas passadas, não de uma, mas de várias, e, na mente me surgem pedaços dessas vivências, fragmentos delas. Então, eu tento transformar cada um desses momentos, certamente de ilusões ou devaneios de um poeta solitário, em poesia. Este soneto é um deles.
TUDO TE DEVOLVO
Tudo o que me destes, te entrego agora de volta... A foto na areia molhada, o anel, a estrela do mar roxeada e, até mesmo aquela carta de outrora!
Essa, nem sei se inda a tenho guardada... Se a encontrar te enviarei sem demora e, junto, irá também seu poema, embora ele só prove uma jura quebrada!
Tudo eu te devolvo em prioridade pois, que aqui tudo é finito que eu sei e, só o amor, na vida, é permanente!
Mas, só não te devolvo esta saudade, que é sua também, mas que guardarei comigo, dentro d’alma, eternamente!
Soou no ar um canto livre e ameno, cristal de luz que ao vento se derrama! Fiquei suspenso, o mundo eu vi pequeno, e aquela voz brilhou qual fosse chama!
O timbre, sedutor, claro e sereno, deu em meus nervos qual ardente brasa! Não vi a face, e nem o corpo pleno, somente a voz que agora o amor embasa!
Mas, se algum dia a tiver num instante, hei de compor a poesia pura em notas livres de amor sem mistério,
pois mesmo oculta, em paragem distante, teu ser ressoa além de toda altura, e voa livre no meu céu etéreo!
Trago comigo um amor em segredo, que tem morada na minha ilusão; amor sem nome, sem culpa, sem medo, que veio do fundo da solidão!
Pintei seu rosto na tela da mente, onde o amor, em silêncio, florescia; a cor do afeto — sutil e envolvente — tingiu de ternura a melancolia.
Vaguei nas ruas da perseverança, em busca de algo que nunca se achou; no rastro fugaz de parca esperança, o amor calado mais fundo ecoou!
Um dia o vi — por acaso ou bruxedo —, num café, e então minha alma se avia; surgiu qual fosse um feitiço de enredo, e pensei: “Será ela? Quem diria!”
O tempo parou — tremi de surpresa — não era a mesma, mas lembrava tanto, que meu olhar se perdeu na incerteza, e até busquei conservar o encanto!
Mas, sem defesa, rendido à realidade, voltei à vida, ao mundo real! E então, sentindo uma estranha saudade, amei — de novo — um amor sem final!
Nelson de Medeiros.
II
Emana no ar um aroma de saudades Sinto correr em mim intensa sensação Ao visualizar tão perto, aquela cidade Acomete de nostalgia meu coração
Visito o mesmo lugar, evoco lembranças Você e eu, cumplicidade, sonhos e paixão Num baile de primavera, uma dança O olhar, o toque, o sorriso... doce tentação
Vivemos os caprichos da paixão ardente Momentos intensos de euforia e entrega O amanhã era fortuito, vivíamos o presente Mas o destino, eis que uma peça nos prega
As manhãs se tornaram menos romanceadas O café já não vinha com um sorriso e uma flor As tardes monótonas, destituídas de vigor Noites onde o silêncio pesava...vidas mascaradas!
Culpa tua, culpa minha! Nunca saberemos Os corações amam de modo diferente Quis vivenciar contigo uma vida sem segredos Porém, você tinha outros planos em mente
Olho aquele lugar e se agita meu coração "O amor nos surpreende em contextos avessos" Foi essa resposta que deste ao findar a relação Verte na poesia a saudade da qual padeço
Não! Jamais me digas que fujo deste amor, pois que este imenso e majestoso sentimento, é furacão que tudo arrasta num momento e, logo é brisa que inspira o trovador!
Não! Não me fales de tristezas e de dor, pois, a alegria é facho de luz, doce lume, que se abre em claridade e espalha seu perfume, qual primavera num jardim de resplendor!
Não! Não me digas que são tristes os meus versos, pois que de amor é que eles são mesmo dispersos; doces saudades que eu nem eu sei de onde elas vêm!
De ti, talvez, ó Musa etérea, amada amante, alma fagueira, inconsistente, eterna errante, doirado sonho que da vida vai além!
Queres saber de mim, que faço agora, onde estou e se penso em ti, também; dos versos meus, me indagas donde vêm: se deste instante ou dum instante de outrora!
Na dúvida que dentro d’alma aflora te perguntas – bem sei – serão pra quem? -Terá o amor do bardo outra refém? Que sofrimento a mente te assenhora!
Por que sofres assim inutilmente? As memórias que trago em minha mente São tuas, hoje, agora e em qualquer dia,
pois que são, embora nossa distância, cá dentro de minha alma, com constância, doces lembranças de tua companhia!
Contemplo o mar: a cúpula azul- prateada reflete sobre mim sua luz infinita; o coração, em vai e vem constante, palpita, tal qual as vagas vão e vêm na marulhada!
Perdido na vasta imensidão estrelada me pergunto: Haverá no céu que me fita alguma coisa além da beleza que o habita? Algo mais que esclareça a árdua caminhada?
Se nada mais existe que não for matéria, a deslumbrar a vista em paisagem etérea, que mistério é este que a razão trespassa?
Onde nasce esta luz que me resplende agora? De onde vem esta canção que do mar aflora, e que saudade é esta que a minha alma enlaça?
Por muito tempo eu te esperei na caminhada, como ansiosa a primavera espera a rosa; e, dentre as flores que colhi nesta empreitada, eu te guardei do meu jardim a mais charmosa!
Eu te esperei com a certeza inabalada, tal qual a tarde espera a noite esplendorosa; e das estrelas que abracei na madrugada, eu te guardei do infinito a mais formosa;
E ao me sentir qual noite escura em tua aurora, minh.! Alma em vão buscou reter-te num agora, ao pressentir, amargurada, nova espera,
pois no jardim descolorido do meu peito, ao te encontrar eu vislumbrei o amor-perfeito, como uma flor que não chegou na primavera!
Na arquibancada o coração palpita ao ver, nos olhos dela, o tom mais raro do mundo - o azul real, a cor bendita- que acende a chama do querer preclaro!
Seu corpo, n! água, era obra de estilista, uma sereia que eu, febril, declaro; e cada gesto dela me suscita o sentimento que, no peito, encaro!
Paixão furtiva, sem palavra ou choque, que se concebe na atração da mente, e faz nascer volúpia no momento!
Um bem querer vibrante, sem retoque, mas que se foi, como estrela cadente, deixando um rastro azul, no firmamento!
A dor moral -punhal que não se avista, que abre o peito em chaga funda e impura; sentença atroz que a própria mente apura, e a consciência a própria pena lista!
Infeliz quem dela é protagonista, sem pressentir o mal da hora escura; remorso amargo que o sofrer depura até que a alma de paz se revista!
Mal que deforma a aparência seleta, que turva o brilho ardente dum olhar, e embrutece o discernimento,
pois não há dor mais cruel de enfrentar, nem solidão mais longa e mais completa, que a de ser réu do próprio pensamento!