Goiaba

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Goiaba

J. A. Medeiros da Luz

 

Rutilando ao sol de nosso  quintalejo,

A dourada goiaba do presente

Infunde aromas mil da infância!

A sua carnadura doce, entre os dentes,

Evoca brincares, latidos, furtos em quintais...

 

Mas, e a ti (que somente agora percebo),

Que te parece,

Pobre larva que te escondes, entranhada

No cerne rubro com multitude de sementes;

E que, descuidoso, desalojo, descartando-te

E a teu reduto — casinhoto de guloseimas —

A um canto maninho de terreiro?

 

Atirada assim, para além da fronde,

Espessura de folhas ásperas, mas que

Nas noites ventosas dedilhavam,

Para tua fruição plena de criança,

A harpa eólia, farfalhando, e que

A custo ouvias, pelo orifício da entrada;

Ou se rebrilhavam todas, quando calhava

De haver luar após a chuva,

Com seus reflexos dançantes, borboletas lúcidas,

A brincar de espelhos noturnos

À frente de tua diminuta portinhola.

 

Eis que — conflito amargoso! —

Este meu próprio sonho de criança

Aborta-te o sonho teu, que era o único

De tua inocente cerebração:

O de fruir a efemeridade mágica

De vida adulta, de alada mariposa,

Durante, talvez, uma vintena de manhãs,

Mas com cem mil azimutes a eleger!

 

Resta a mim, apenas, agora que já é tarde,

A lavagem de mãos, como Pilatos,

A justificação nem tão convincente

De exclamar, me isentando do embaraço

No escolher entre dois sonhos:

— Caramba, esta equação

Não tem duas soluções no campo dos reais!

 

Ouro Preto, 12 de março de 2021.

(Do livro: Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora em 2022)

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • Étão, graciosamente, lindo este momento de puro deleite do poeta com a natureza em sincronia majestosa!

    A poesia flui sem pedir licença ao imo do poeta! Tudo é mágico diante deste instante que não se repetirá, outra vez.

    Aplausos poeta pela magnífica obra!

    Destacado!

    • Cara Edith:

      Obrigado pela visita e pela amabilidade das palavras. Realmente, cada um de nossos instantes fruídos é — para mantermos a metáfora cinematográfica de meu comentário abaixo — um fotograma, que nos fica na memória (ao menos por um tempo, antes do desbotamento inexorável), evidenciando esse entrelaçamento dos seres animados com a aqueles sem animação aparente.

      E essa constituição una do presente, parece-me, só é bem sensível (quase diria que de modo táctil) depois que nos embicamos a canoa para o estirão final, passados já as corredeiras, os rápidos, os canhões, as correntezas e vórtices dos inícios da jornada.   Para a maioria, suave dádiva da madureza, que nos tira, por outro lado, muitos ímpetos e ilusões. A velha lei das compensações!

      Abraço;

      j. a.

       

       

  • Pessoal:

    Uma observação curiosa: ao lusco-fusco de ontem, para ilustrar o poema, fotografei uma goiaba madura de nosso quintal. Embora com Canon semiprofissional, a foto ficou muito a desejar pela carência de fótons. Deliberei trocá-la hoje de manhã (foto acima). Só me esqueci de combinar, com a devida antecedência, com os sanhaços e outras aves que nos frequentam. A goiaba que ontem, à tardezinha, estava intacta, hoje já exibe uma senhora cratera feita pelos bicos dos pássaros, evidenciando o rubor de sua polpa — e o dinamismo cinematrográfico da vida!

  • Pessoal:

    Eis mais uma derrapada lírica, agora romantizando um bicho-de-goiaba (como tantos outros pequenos seres, companheiros de jornada cósmica), invisibilizado por essa nossa arrogância humana.

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